Ao viver fora de seu país, uma pergunta que se torna recorrente é: Quem é você? De onde veio? Como é sua terra? Entre outras dúvidas tangenciais ao assunto. Em diferentes proporções, a busca por uma identidade pessoal e cultural se torna mais relevante e discutida ao sair de sua terra natal.
Caminhando junto aos questionamentos citados e na maioria das vezes por uma questão de simpatia, os círculos sociais se constroem ao redor de pessoas que também passam pelos mesmos processos. A riqueza que essas experiências proporcionam são enormes, imensuráveis. Ao meu ver, é um dos grandes pontos positivos de uma vivência como essa, seja fora de sua cidade ou país.
Em uma das inúmeras conversas com um colega queniano, estávamos falando sobre a rotina dos americanos que aqui nasceram e cresceram, em uma comparação com a comunidade internacional. Durante o assunto, o mesmo disse algo muito parecido com a seguinte frase: “No matter what you do, do it for the whole people in your country, you talk on behalf of your entire place, country and culture.” Em português poderia ser traduzido em algo como: “Não importa o que você faça, faça por todas as pessoas de seu país. Você fala em nome de toda a sua cultura e país, você as representa.” Isso vale principalmente em uma experiência onde você é uma das poucas pessoas em seu meio vindas de um determinado lugar.
Durante algum tempo, fiquei com a frase na mente, amadurecendo e tentando entendê-la melhor. Hoje, após quase um ano morando fora, consigo entendê-la melhor. Mudei minhas visões sobre determinados locais e culturas, baseado em colegas nativos de diferentes nacionalidades. Posso dizer o mesmo da visão das mesmas pessoas acerca do Brasil. Por isso, é necessário um mínimo de respeito, informação, e consciência histórica e política sobre a posição em que nos encontramos. Com essa perspectiva e vivência, certamente é um desafio fazer jus ao que uma cultura tão diversa e vasta como a nossa representa. O Brasil é sim um dos países mais plurais e multifacetados que já ouvi falar. Não que os demais não sejam, muito pelo contrário: exemplos como o leste europeu com toda a diversidade religiosa; a Península Ibérica com a histórica ocupação dos povos Mouros; ou ainda Nepal, Índia, Arábia Saudita ou outros países oriente médio, sendo culturas milenares, comprovam essa riqueza. Todavia, a forma de construção do Brasil e da América Latina se deu de forma diferente dos locais anteriormente citados.
Ao falar com colegas de locais como Quênia, Arábia Saudita, Nepal ou França, fico com a sensação de que nosso país foi “inventado”. Inventado pois no que se refere a história e cultura, qualquer um dos citados possui provavelmente muito mais registros e tradições anteriores às nossas. Antes da chegada dos portugueses, em 1500, haviam povos nativos já estabelecidos e com suas respectivas tradições e modus operandi, e a forma que o presente território se transformou de Pindorama a Brasil, possui uma trajetória muito específica. Ainda estamos em busca de uma identidade nacional. Exemplos como Mario de Andrade no século passado foram um divisor de águas para tal, mas o brasileiro de 2020 precisa continuar esse legado. Se faz necessário cada vez mais um pensamento crítico sobre o assunto, já que 100 anos em um processo histórico não é nada, se comparado a sociedades com milênios de tradição e registros.
Pela nossa diversidade, talvez não chegaremos a um consenso entre os mais de duzentos e dez milhões de habitantes (e contando). Somos umas das maiores economias do mundo e um dos maiores territórios. Talvez seja até bom que não haja um consenso, mas que uma identidade brasileira precisa ser melhor construída, certamente. Não somos reflexos das tradições nativas indígenas por si só, muito menos da européia colonizadora ou da africana durante os tempos dos povos escravizados. O resultado é único, intrigante e exuberante.
A mim especialmente, resultados desenvolvidos por Jorge Amado, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Lima Barreto, Clarice Lispector, Djamila Ribeiro, Paulo Freire, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, entre muitos outros, nos dão uma pista do que pode ser o Brasil. Também me agrada pessoalmente nomes como Zumbi dos Palmares, Antônio Conselheiro, Hipólita Jacinta. Acredito que por isso exemplos no cinema como Cidade de Deus (2003 – Fernando Meirelles/Kátia Lund), O Auto da Compadecida (2000 – Guel Arraes) e Bacurau (2019-2020 – Kleber Mendonça Filho/Juliano Dornelles), são tão representativos. Para encerrar este texto, cito novamente ao final Chico Science e Nação Zumbi, como feito em uma coluna anterior:
Viva Zapata! Viva Sandino! Viva Zumbi! Antônio Conselheiro! Todos os panteras negras Lampião, sua imagem e semelhança Eu tenho certeza, eles também cantaram um dia
Octavio Deluchi
Prados Online
2012 Prados Online | cnpj: 15.652.626/0001-50