Logo antes de começar a escrever este texto, estava realizando um levantamento dos números relativos à AssoVio Vertentes. Publicações oficiais serão lançadas para divulgar os resultados, mas o montante final foi que, desde Outubro de 2016, tivemos um montante de 66 concertos, 15 masterclasses e 7 oficinas. Números esses referentes ao trabalho em 45 meses, menos de 4 anos. Com essa quantidade de eventos, em toda a região, certamente conseguimos atingir diferente públicos em diferentes ocasiões, do iniciante ao profissional.
Esse contato e troca de oportunidades fez com que pudéssemos presenciar em muitas vezes o brilho no olho de quem estava maravilhado com o instrumento, ou ainda com seu ídolo. Muitos escutaram um som que nunca imaginariam existir antes. Mas vale lembrar que em 2020, todos os eventos estão cancelados e/ou inviáveis desde Março, onde estamos caminhando para o quinto mês de cancelamentos e sem previsão de volta presencial.
Todos sabemos a história: desde Março, tudo cancelado. Devido ao problema, as atividades online cresceram exponencialmente. Exemplos mais recentes mostram o quão viável isso pode se tornar: o FIMUCA – Festival Internacional de Música em Casa – foi um sucesso. Com mais de 16 mil inscritos, conectou jovens estudantes, aspirantes a músicos, profissionais e referências da área nas mais diversas formas. Também tivemos o festival Violões em Rede, que particularmente acredito ter apresentado um formato bastante viável para os eventos online, se aproximando ainda mais, na medida do possível, de um concerto presencial.
As vantagens são consideráveis. O público deixa de estar localizado apenas pela referência geográfica para então se tornar toda e qualquer pessoa com conexão à internet e interesse sobre o assunto em algum nível. As oportunidades de acesso e um primeiro contato estão transformando e incentivando a geração mais nova da música. Não preciso de muito esforço para encontrar vários estudantes que se mantêm incentivados por conta dessas oportunidades e ocasiões.
Entretanto, o perigo dessa demasiada exposição é acabar esquecendo sob quais os pilares as ideias musicais se solidificam. Música, acima de tudo, é uma ramificação das artes e linguagens, uma forma de comunicação. Não é universal, mas está presente em todo o globo, uma vez que cada região geográfica possui seus idiomatismos, maneirismos e características. Um ponto crucial das artes de comunicações é o processo físico e gestual que necessita ser feito para que a mesma ocorra.
Apesar de ser essencialmente sonora, a música passa por uma coreografia feita pelo intérprete para que ela chegue até o ouvinte. Isso significa, milhares de movimentos, utilização do corpo, músculos, movimentos e relacionados. Todo esse recurso é justamente o que é inibido e anulado na comunicação online. Inúmeras reportagens abordam o esforço a mais que se tem que fazer na comunicação online, além da importância da comunicação não-verbal. Aqui são só alguns exemplos: Link 1, Link 2, Link 3, Link 4, Link 5, Link 6.
O perigo de criar uma geração musical sem um cuidado e esmero estético-sonoro, e voltada para questões objetivas e “palpáveis” a uma chamada de zoom é muito grande. Ainda existem outros problemas associados à falta de comunicação não-verbal. A qualidade com que a pouca comunicação existente é transmitida não pode ser esquecida. Já não bastam os desafios na fluência e totalidade do discurso, barreiras como equipamentos inapropriados, de má qualidade, conexão ruim ou falta de lugares minimamente confortáveis atrapalham mais ainda. Um dos piores problemas é a capacidade de articulação social, também afetada. Fica comprometida pois estamos vivendo a todo o tempo apenas com as relações provenientes de um aparelho frágil que depende de fatores como internet, energia e cabos.
Pessoalmente, vejo a música como um palco para conexão, arguição*, debate, comunicação e preenchimento de espaços e significados. Muito disso está sendo perdido com a geração zoom que está sendo criada. A sensação do palco e performance não estão presentes em nosso vocabulário em 2020, o que é muito perigoso para um artista. A profusão de novas competições e a busca por um reconhecimento nas redes sociais, likes e fama dá espaço a um “vale-tudo” online. Isso cria a falta de um projeto artístico, histórico e pessoal a longo prazo. Antes, aprendido e desenvolvido nos contatos, reflexão e experiência com o palco.
Conforme o processo de quarentena e de resolução do problema pandêmico se resolve, ou ao menos caminha, poderemos perceber e refletir sobre a real importância que continuaremos a dar para as plataformas online. É um ótimo recurso inicial e de incentivo, mas não de referência final. Não significa que acontece hoje e agora, mas que infelizmente pode estar em um futuro mais perto que o imaginado, com os zoomers, tik-tokers, e qualquer ers referentes às redes sociais.
Octávio Deluchi
Prados Online
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