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Somando-se as mortes causadas por acidentes de trânsito e assassinatos, 82.356 pessoas perderam a vida no Brasil ao longo de 2019. Número esse que foi superado, nesta quarta-feira (21), pelos óbitos causados por Covid-19, que atingiram a marca de 82.771, segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde.
De acordo com dados levantados pela Seguradora Líder, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, de janeiro a dezembro de 2019 os acidentes de trânsito causaram 40.721 mortes no país, enquanto, durante o mesmo período, 41.635 morreram vítimas de homicídios. As duas marcas representam separadamente a metade das mortes por Covid-19 que o país registrou em um período de apenas quatro meses.
Os números da doença assustam também se olharmos para os registros diários. Nessa terça-feira, o país teve o maior número de óbitos em um dia dos últimos três meses. Nesta quarta-feira, o índice permanece alto, com 1.284 perdendo a vida para Covid-19 nas últimas 24 horas. Minas Gerais, que apresenta uma tendência de alta, teve nesta quarta-feira o dia com maior número de mortes: 95.
Segundo o professor do departamento de sociologia da UFMG e membro do Observatório Social, Marden Campos, os números são altos e preocupantes, no entanto ainda não se pode afirmar que estamos no pico da pandemia no país e nem precisar qual a tendência da curva epidemiológica de agora para frente.
“Difícil afirmar com precisão se estamos no pico, ou se de agora para frente esses números vão apresentar tendência de queda ou de subida. Só podemos estipular a data do pico, quando os números começarem a cair e dessa forma permanecer por um bom tempo. Nos Estados Unidos, por exemplo, estavam em queda e falavam que o pico já havia passado, mas recentemente o números de casos voltaram a subir por lá”, explicou o professor.
Campos ainda explica que os números da doença apresentaram comportamentos distintos em várias regiões do país. E mesmo que já fosse esperado, tal fenômeno deixa mais imprecisa a tendência da curva epidemiológica.
“Temos região do país que no começo da pandemia apresentaram números enormes e que agora já apresentam tendência de queda. Por outro lado, regiões que no começo estavam com registro baixo e hoje os números só sobem. Minas por exemplo, aparecia em em abril e maio como um Estado com poucos casos, mas agora vê uma crescente muito grande principalmente no interior”, explicou.
A professora da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte, Aline Dayrell também concorda com o ponto apresentado por Campos e ainda ressalta: “Essas projeções de pico são importantes e necessárias, mas sendo vistas sob a óptica do poder público que necessitam dessas informações para as tomadas certas de decisões para o enfrentamento. O que me preocupa é quando a população se apega à esse pico, na falsa ideia que quando ele passar, as coisas voltarão ao normal, uma vez que a data para isso é incerta, pois depende de variáveis como políticas de enfrentamento e número de casos, e não significa que quando os números começarem a baixar eles não podem apresentar crescimento novamente”, destaca a pesquisadora. “O que nós podemos dizer do que já está posto é que o número de pessoas susceptíveis a doença ainda é grande, ou seja, o potencial de propagação e aumento de casos ainda é alto, por isso as políticas de isolamento são necessárias”, completou.
Por que chegamos a números tão altos?
Para Marden Campos, o patamar alto em que o Brasil chegou e toda a situação caótica que o país vive diante da pandemia, o deixando como o segundo no mundo em número de mortos e casos, tem relação com a forma que o poder público agiu para enfrentar a pandemia.
“A causa disso é a ineficiência do atual sistema federativo. Um país como o Brasil que sempre foi referência em controle epidemiológico, que tem uma instituição da grandeza da Fiocruz, um sistema de saúde pública tão amplo como é o SUS, se tivesse tido gestão com certeza teríamos passado por essa pandemia com números bem menores”, ressalta. “Não vou nem falar que é má intenção de quem governa, digo que é ineficiência. Um governo que não sabe mesmo o que fazer e como funciona política pública e que tem como agenda principal o desmonte da máquina pública caiu com a pior crise da história no colo e não sabe como resolvê-la”, concluiu.
De acordo com a professora Aline Dayrell, a falta de convergência entre os governos na adoção das políticas de enfrentamento pode ter sido um fator determinante nessa alta nos casos.
“Sob meu ponto de vista de pesquisadora, o que observo é que faltou convergência entre todas esferas na tomada de decisão. O que eu digo é: deveria ter sido adotada uma política de enfrentamento para todo país seguindo um único comando (como é o SUS) levando em consideração é claro, as particularidades de cada Estado e cada município dentro do cenário”, afirmou.
A pesquisadora também aponta o atraso na testagem em massa no começo da pandemia como um fator que pode ter agravado ainda mais o cenário brasileiro.
“Não estou dizendo que seria diferente, é apenas uma observação com base naquilo que pesquiso. No começo da pandemia o que se viu foi uma pouca testagem e um investimento maior na assistência ao doente. Ou seja, se investiu mais no estágio final do que no estágio inicial que é a prevenção. Não que não seja importante investir e estruturar a assistência, mas é que a literatura médica mostra que se investir em prevenção é a medida mais eficiente epidemiológico, pois só se tem condições de tomar decisões assertivas se souber quanto da população se infectou e dessa forma controlar o contágio”, concluiu.
Impactos
Segundo o professor Marden Campos é inegável o impacto social que a pandemia já causou e ainda vai causar no país. Para ele, esse impacto, além do econômico, também trará danos e mudanças na forma como as pessoas se relacionam.
“O que eu posso dizer é, o patamar que o país atingiu é extremamente alto e a situação é grave. Independente se estamos no pico ou se ainda chegaremos nele, os impactos que essa pandemia deixará serão enormes. Teremos uma crise econômica que não conseguimos mensurar o tamanho, com altos índices de desemprego, mas também um impacto enorme nas relações humanas, na educação, na saúde mental. Para alguns teóricos, essa pandemia é o marco mais importante do século XXI e pode ser encarada com o início do século”, explicou Marden.
O psicólogo Weslley Carneiro alerta para o aparecimento de transtornos mentais sobretudo em um cenário pós pandemia.
“É importante entender que mesmo que a pandemia acabe e em um cenário utópico a vida volte ao normal, períodos traumáticos como esse podem acarretar nas pessoas o que chamados de TEPT (Transtorno de estresse pós traumático) que é quando o indivíduo ao passar por um grande trauma desencadeia crises de ansiedade mesmo com o fim do período. Um exemplo, uma pessoa que adoeceu e evoluiu para o quadro grave, daqui um ano, ao praticar exercício físico e sentir um leve desconforto ao respirar pode associar à falta de ar que sentiu na doença e dessa forma parar de realizar suas atividades diárias”, explicou.
Para o psicólogo é importante também que as pessoas entendam que a sociedade e o cotidiano não voltará ao normal que conhecíamos e também que é normal ter todos os sentimentos que o cenários pandêmico nos causa.
“É normal sentir tristeza, medo, e desespero ao ver notícias de aumento dos casos. Mas é importante termos essa consciência para que esses estímulos não nos tragas pensamentos desordenados e nos traga transtorno de ansiedade”, completou.
*O Tempo
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