Sou um apaixonado por Sagrada Escritura por isso, quero brindar vocês, neste mês, com uma exegese bíblica. Jonas, filho de Amati, eis o personagem em questão, o referido profeta relutante. A primeira consideração a ser feita é que não se sabe exatamente se Jonas é ou não uma figura histórica. Parece ter o autor do livro de Jonas buscado inspiração para seus escritos em um personagem mencionado pelo livro de Reis. Cf. 2 Reis 14, 25
Desse modo, é mais aceita entre os estudiosos de hoje a hipótese de que o livro de Jonas é uma espécie de novela da qual se pode extrair lições: por exemplo, a conversão do povo de Nínive, capital da Assíria contrasta com a infidelidade do povo de Israel. É inconcebível para o contexto da época uma conversão maciça de outro povo como a narrada pelo profeta em seu livro “os homens de Nínive creram em Deus (…) desde o menor até o maior”. Jn. 3, 5 Mesmo o rei teria se convertido mediante a pregação de Jonas “… o rei levantou-se de seu trono, tirou o seu manto, cingiu-se com um pano de saco e assentou-se sobre a cinza”. Jn. 3, 6 Não é necessário aprofundar aqui o sentido simbólico de depor o manto. O manto é o sinal da realeza, da dignidade real, da qual o rei se despe.
Alguns elementos mitológicos também permeiam a vida deste profeta literário. Chama a atenção o fato de ter sido engolido por um monstro marinho. É ponto pacífico que nenhum animal marinho é capaz de engolir um ser humano. Cabe então ressaltar o estilo do texto. O texto possui características próprias do gênero literário de epopéia. Os elementos comprovam: o mar revolto, o mostro marinho, a fabulosa e pronta aceitação da palavra do profeta pelos ninivitas. Contudo, esta pequena história de Jonas é para ser lida como história didática e com um sorriso no canto da boca, pois está salpicada de humor. Para compreendermos o desenrolar do texto, o itinerário do profeta, podemos dividi-lo em quatro partes: a relutância do profeta, o episódio do mostro marinho, a pregação em Nínive e a lição de Deus ao profeta.
A palavra de Javé foi dirigida a Jonas “levanta-te e vai à Nínive, a grande cidade e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até mim”. Jn 1, 1 Vale salientar dois aspectos, primeiramente, Jonas é apresentado de maneira abrupta, sem referências históricas, o que não acontece com os outros profetas literários. Cf. Is. 6,1; Jr. 1,1ss. Assim, podemos concluir que o autor se recusa a localizar seu personagem no tempo, fornecendo tão somente sua ascendência paterna “filho de Amati”. Esta referência não constitui fato relevante, pois que o nome do pai na cultura judaica era uma espécie de sobrenome. Estas sutilezas do texto nos levam a concluir que o autor não tinha diante dos olhos seu personagem, não conviveu com ele, mas certamente buscou inspiração na memória de um personagem histórico do passado para confeccionar sua trama literária.
O segundo aspecto é a ordem de Javé. Os verbos estão no imperativo “levanta-te e vai”. Jonas não discute a ordem de Javé, mas a rejeita silenciosamente. Quais são suas motivações? O texto não menciona. Podemos fazer especulações: medo, acomodação? Nínive era capital de império do assírio! O certo é que Jonas reluta e foge de Jope, vai a Társis que no imaginário geográfico da época representava o fim do mundo. Trata-se de uma ruptura radical, pois Jonas quer inclusive fugir “para longe da face de Javé”. Jn. 1, 3 Entretanto, Jonas não sabe que tal empresa é impossível, pois o salmista afirma “para onde ir, longe do teu sopro? Para onde fugir, longe da tua presença? Se subo aos céus, tu lá estás; se me deito no Xeol, aí te encontro”. Sl. 139, 7-8 Ademais, “Fugir para longe da face de Javé” implica escapar da sua presença, do seu raio de ação, do seu controle. Fuga tola a de Jonas já que ninguém resiste à palavra de Javé. Por outro lado, não se pode perder de vista que é aspecto constante nos chamados relatos de vocação a hesitação diante do chamado de Deus. Porém, nenhuma hesitação tem a proporção da atitude de Jonas que nem sequer estabelece diálogo com Javé. Jeremias, Isaías e outros dialogaram com Deus e receberam dele a garantia de contar com a sua graça.
Do ponto de vista antropológico podemos explorar a atitude de Jonas pelo seguinte viés. A fuga denota certa covardia, medo de assumir a missão que lhe é confiada. Consequentemente, tal covardia revela uma imaturidade do profeta, imaturidade esta que se manifesta novamente quando ele se mostra decepcionado pelo fato de não ter acontecido a destruição de Nínive. Nínive não foi destruída, afinal o povo e os nobres se converteram. Neste sentido, Jonas é figura emblemática, personagem que nos interpela, com o qual podemos nos identificar ou não, uma vez que resistir à missão e às responsabilidades é tentação cotidiana na vida do cristão. Querer que nossa lógica prevaleça sobre a lógica divina também é uma inclinação muito nossa. Em síntese, o ministério profético de Jonas foi um aprendizado, para Jonas, se é que ele existiu, e para os leitores que saboreiam esta belíssima trama. Espero que você também tenha se apaixonado pela riqueza do texto bíblico!
Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros
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