A representatividade feminina é um assunto fundamental e que tem sido debatido cada vez mais em diversos âmbitos da sociedade, não sendo diferente na área das artes. Especialmente perto de datas específicas, como 8/3 por exemplo, o assunto (felizmente) ganha força e aparece de forma mais frequente, apesar de ainda ser pouco debatido.
Essa invisibilidade, termo muito utilizado quando encontramos um cenário onde há uma ausência de figuras femininas, por questões de poder e processos históricos, é notória no meio artístico como um todo. Por isso, conversei com quatro mulheres atuantes na área em diferentes âmbitos. Foram elas: Thais Fernandes – flautista e pós-doutora em Performance Musical pela UFRGS, Thais Andressa – Fotógrafa e jornalista (MG), Milena Marques – violonista e graduanda em música (EMBAP – PR) e Thais Nascimento – violonista e professora gaúcha, pós-graduanda em filosofia contemporânea (IMED).
Todas elas possuem trabalhos relacionados ao assunto, sendo feitos através de diferentes formas: coletivos, eventos, grupos de estudo, parcerias ou com palestras e artigos no âmbito acadêmico. É importante notar também, que estamos aqui falando de atividades que são realizadas em diferentes estados brasileiros. Thais Fernandes, apesar de pós-doutora pela UFRGS, reside em Belo Horizonte e já foi professora na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). Thais Nascimento, é do Rio Grande do Sul e promove eventos tanto em seu estado quanto em Minas Gerais ou São Paulo. Milena Marques é violonista residente em Curitiba e promove um coletivo que atua na capital e no interior do Paraná, e Thais Andressa, “representante” de nossa região nesse texto, fotógrafa residente em São João del-Rei e promove atividades em todo o Campo das Vertentes, através de exposições, participação em concursos na internet ou não, e pelo coletivo Filhas de Frida SJDR.
Quero hoje mostrar um pouco de como funciona cada um desses trabalhos, como foram desenvolvidos e como podemos fazer para que tão breve possível, essa questão seja resolvida.
Grupo de estudo sobre Feminismo e Trabalho – UFES 2018 Na foto da esquerda para direita: Luiza Mollulo, Kécia Lopes, Salisa Naara, Tayna Lorenção, Thaís Fernandes, Maria Beatriz Cota Villa Real, Yasmin Marques e Débora Gouvêa Foto cedida por Thaís Fernandes
A professora, flautista e doutora Thais Fernandes, conta que em seu tempo de docência na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), era a única mulher do departamento de música, fato esse que levou a pesquisadora a refletir sobre o assunto.
“Tenho me debruçado sobre o tema da (in)visibilidade das mulheres no meio musical e do lugar de fala que elas ocupam, além do conhecimento epistemológico branco/hetero/masculino no qual estamos inseridos. Atualmente tenho trabalho com o feminismo e a política, investigando a posição da mulher quando a mesma se encontra em lugar de “poder” numa instituição e como esta posição pode ou não impactar em suas decisões e de que maneira isso reflete para as outras mulheres.” Thais ainda menciona o importante livro de Djamila Ribeiro “O que é Lugar de Fala“, que aborda temas extremamente necessários para nossa sociedade sobre questões de poder e do discurso masculino e branco que domina nossa sociedade.
A professora e pesquisadora em breve publicará um artigo abordando o repertório das orquestras brasileiras, onde realizou um levantamento da quantidade de compositoras que foram tocadas na última temporada nas maiores orquestras do país. Ela ainda pontua que se deparou com casos onde não havia NENHUMA compositora, ou apenas UMA durante uma temporada inteira. Esse número é preocupante, e nos mostra a que nível o problema se encontra.
A violonista e também professora Thaís Nascimento comenta que desde sempre tem notado a falta de representatividade no meio musical, e com isso a conscientização se desenvolveu ao longo dos anos. Ainda completa dizendo que sempre se sentiu um pouco sozinha no meio musical – e violonístico mais ainda – no que se refere à questão de gênero. O meio musical como um todo já se mostra difícil por conta de questões relacionadas ao investimento, acessibilidade e manutenção dos estudos, e após essas dificuldades, ainda tinha a questão de ser a única e mais nova menina de sua classe de violão, quando começou os estudos no instrumento.
Ela relata que durante suas primeiras aulas nessa classe de violão, acabava se tornando a pessoa que “cantava” as músicas do grupo, tanto por ter sido colocada em uma turma de alunos mais velhos e avançados, quanto pelo fato de que as “mulheres tem instrumentos musicais que são mais aceitos que outros. A voz é mais fomentada que o violão, e a composição menos ainda. A composição nos coloca como protagonistas do mundo, e as mulheres no geral não são as maiores protagonistas do mundo, reconhecidas”.
Ainda completa falando da importância das mulheres, pois são elas que sustentam o mundo. Além de todos nascermos de mulheres, muitas delas tiveram uma importância gigantesca em diferentes áreas, mas o reconhecimento não foi dado da mesma forma. São muitos caminhos e dificuldades além, passando por questões ligadas ao assédio, segurança e invisibilidade. Claramente não possuem o mesmo reconhecimento que uma pessoa do sexo masculino realizando mesmo trabalho, sem todas essas dificuldades. Elas precisam de trabalhar bem mais para chegar no mesmo ponto. É outro problema grave.
Apesar de ter poucas mulheres violonistas em graduações, como vemos em nossa região aqui em Minas ou como Thaís relata no Rio Grande do Sul, ela teve a felicidade de poder ter contato direto com duas violonistas importantes, durante seu momento anterior à graduação e no curso superior. Foi um ponto fundamental tanto para continuar seus estudos quanto para realizar o trabalho que faz hoje.
Atualmente a violonista pesquisa o repertório de compositoras, pois ao longo de sua graduação (e realizando um adendo, da minha também, e de todos os colegas que conheço), ela sempre tocou obras de pessoas masculinas. Nessa observação que pode passar batido em muitos casos, vemos novamente o exemplo da falta de representatividade, machismo e omissão do trabalho de pessoas do gênero feminino.
Ainda conta que chegou nessa linha de pesquisa atualmente muito por conta do trabalho da violonista Mayara Amaral, que abordou o assunto em sua dissertação (mulheres compositoras da década de 1970), e vítima de feminicídio em 2017.
Mais um pouco ao norte de Porto Alegre, em Curitiba – Paraná, aconteceu no último dia 04 de Maio o recital de lançamento do Coletivo Violoníssimas, formado pela Professora Dra. Luciana Lozada e pelas estudantes de graduação em Música da EMBAP Milena Marques, Tainá Caldeira e Thaís Alonso, com obras de Elodie Bouny, Chiquinha Gonzaga e Tainá Caldeira. Conversei com Milena Marques sobre o projeto, que já possui muitas visões futuras.
Cartaz de Divulgação do primeiro evento do Coletivo Violoníssimas, que aconteceu no último dia 04 de Maio. Retirado do facebook.
Milena conta que “o projeto na verdade surgiu de uma ideia minha de pesquisar composições para violão feitas por mulheres brasileiras, especialmente de décadas passadas (época em que o violão era considerado um instrumento masculino e de pouco prestígio social). O fato de eu estudar violão erudito e nunca ter sido me apresentadas peças compostas por mulheres, e o fato de as referências passadas por meus professores sempre serem homens, me levantou a questão “onde estão as mulheres do violão?”, então na faculdade me veio a ideia de pesquisar sobre isso.”
Ela diz ainda que após uma conversa com um professor da faculdade, foi incentivada a procurar outras violonistas e criar o coletivo: “Conversei com um professor e ele me incentivou bastante e também deu a ideia de criar esse coletivo de mulheres para tocar as peças compostas por mulheres, convidando as meninas que também estudam violão na EMBAP para compor este grupo. Então eu comecei a pesquisar essas compositoras e suas obras na internet, em bibliotecas e salvei tudo o que encontrei. Depois busquei estas meninas, expliquei o projeto e elas concordaram em participar, e juntas decidimos qu e o nome seria Coletivo Violoníssimas.”
Já em nossa região, recentemente tivemos a criação de outro coletivo, o Filhas de Frida SJDR, que atua não apenas no meio musical, mas artístico como um todo. Conversei com Thais Andressa, fotógrafa e uma das idealizadoras do grupo sobre a criação do mesmo.
Em encontro ao que Thaís Fernandes tinha comentado, sobre representatividade e as falas de Djamilla acerca do lugar de fala, “O nosso intuito é que em conjunto possamos ter nosso lugar de fala e representatividade, e assim com os eventos, disseminar a força e a potencialidade de nossos trabalhos, principalmente de quem está começando, conquistando assim novos espaços.”
Foto: Thaís Andressa. Coletivo Filhas de Frida SJDR
“Em 2018 eu fiz um curso de aprimoramento na área de Produção Cultural no Senac em São João del-Rei. Sempre me interessou o campo das artes e da cultura. Já motivada por esse curso e atuando na assessoria do Centro Cultural UFSJ, junto com uma amiga, a artista e ilustradora Thaio Conde, decidimos criar um evento que tivesse como foco a produção artística de mulheres de São João del-Rei e região. O intuito foi dar visibilidade ao trabalho desenvolvido por essas mulheres, nos mais diversos ramos, como música, desenhos, fotografia, yoga, entre outras atividades. Foi um sábado repleto de ações gratuitas, que tiveram início às 9h e término às 22h. Ao longo da história, muitas mulheres foram ofuscadas, nosso intuito foi com a união, compartilhar nossos saberes e ocupar nosso lugar de protagonistas, além de debater assuntos ligados à representatividade feminina em nossa sociedade.”
E foi um evento de bastante sucesso e repercussão na região, Thais ainda completa “O evento teve um retorno positivo, pois além das atividades formativas, fomentamos a troca de experiências e laços afetivos. Queremos que o papel das mulheres tenha cada vez mais destaque e reconhecimento”. Foi criado coletivamente e teve a participação de muitas mulheres do cenário artístico e cultural das vertentes, como Ana Câmara, Thaio Conde, Luma Alves, Thaís Andressa, Carla de Jesus , Jéssica Felizardo, Aline Conde, Samara Nonada, Monique Silva, Déborah Vieira, Natália Chagas, Laila Zin Fernanda Felberg e Lariella. Outro evento ainda para esse ano está sendo planejado, e elas ressaltam que “Queremos que mais mulheres participem do grupo. Lembramos que o evento visa abranger toda a comunidade, sendo aberto e gratuito”.
O desenvolvimento de iniciativas do tipo na região tem aumentado. De acordo com Andressa, “estão surgindo muitas ações e eventos que destacam o trabalho das mulheres. O Terra Puã é um exemplo, idealizado pela Elizabeth Ramos e Mailza Bernard. O que me traz alegria é ver o interesse das mulheres em estar buscando construir esses espaços de troca, sendo cada vez mais protagonistas. Temos muitas fotógrafas que buscam destacar a força feminina, como a Natália Chagas e as meninas do brechó, como a Monique e a Samara, que auxiliam na questão da auto-estima. A palavra chave é união, pois dessa forma teremos grandes trocas e conquistas. “
Conversei também com as quatro artistas sobre planos futuros e sobre formas de trabalho daqui para frente a fim de combatermos essa invisibilidade e discrepância de reconhecimento no meio.
Quero deixar aqui o meu imenso agradecimento a todas que colaboraram com esse texto: Thaís Fernandes, Thaís Nascimento, Milena Marques e Thaís Andressa, bem como a todas e todos que trabalham junto às mesmas. Gostaria de poder conversar com mais mulheres do meio, e ceder esse pequeno espaço que tenho na coluna para reforçar esses trabalhos. Quem sabe em breve não sai uma segunda versão desse texto com novos projetos?!
Espero que com isso, cada vez mais mulheres e homens (principalmente) em nossa sociedade percebam o quão desigual e injusta ela ainda é, seja por diversas questões. Hoje abordamos aqui as questões pertinentes às diferenças de gênero, mas a arte e o meio artístico é um reflexo da vida e do funcionamento de nossa sociedade. Quis trazer aqui quatro exemplos de diferentes partes do país para mostrar que em muitos lugares isso já tem sido abordado e trabalhado, apesar de todas as dificuldades. Não podemos fechar os olhos para isso.
Octávio Deluchi
Prados Online
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