De Drummond para Chico: A Banda
…”que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente.”
Já tinha planejado postar esse texto há algum tempo, mas fui postergando até agora, e foi muito a propósito, pois coincidiu com um acontecimento muito importante para nós brasileiros: Chico Buarque de Hollanda ganhou o prêmio Camões de literatura 2019. A literatura está no sangue, pois é filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda e primo distante de Aurélio Buarque de Hollanda.
Nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, nos brindou com essa belíssima crônica no jornal Correia da Manhã, após o Chico ter ganho o 2º Festival de Música Popular Brasileira com a Música: A Banda.
“O jeito, no momento, é ver a banda passar, cantando coisas de amor. Pois de amor andamos todos precisados, em tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando. A ordem, meus manos e deconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mas subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a Música, viva o sopro de amor que a música e a Banda vêm trazendo, Chico Buarque de Hollanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, a falta de ar. A felicidade geral com que foi recebida essa Banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoraçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, dobrados de guerra. Não convida a matar o inimigo, ela não tem inimigos, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta Banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto Medeiros, fazendo penetrar nele o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais. Meu partido está tomado. Não da ARENA nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na Banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da coveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão. Se uma Banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadoresé porque há uma beleza generosa e solidária na Banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingadores e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira. Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floresçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrangem terreno infinito, nas relações humanas, no País como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longínqua, chamando o velho, o fraco, a mocinha feia, o homem sério, o faroleiro…todos os que viram a Banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a Banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma Banda como essa deixe de musicalizar a alma da gente.”
Texto retirado do livro: Histórias de Canções de Chico Buarque, de Wagner Homem.
Um livro que vale a pena de ler, pois nos mostra as músicas com as histórias relacionada a elas. Um livro que faz parte de uma serie.
Não se esqueçam: leiam sempre!!!
Abraços e até a próxima
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