Enquanto amostras da cerveja ingerida pelo militar aposentado Antônio Paulo dos Santos, 61, são analisadas pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou na tarde de terça-feira (1º) que a cervejaria responsável não é obrigada a interromper a produção. O órgão garantiu por meio de nota que não há relação direta comprovada entre a morte do policial e a ingestão da bebida alcoólica até o momento.
O militar morreu na última quinta-feira (27) com quadro de insuficiência renal depois de 14 dias de internação no Hospital Albert Sabin, em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Ele apresentou os primeiros sintomas após ingerir dois latões de cerveja da Brussels, marca mineira com produção em Cláudio, município no Centro-Oeste de Minas Gerais. Essas latas foram recolhidas pela Vigilância Sanitária da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e passam por análises na Funed, em Belo Horizonte. A instituição não respondeu se há previsão para conclusão da investigação das amostras.
No período que permaneceu internado, Antônio Paulo dos Santos foi submetido a uma biópsia renal, que o diagnosticou com intoxicação por dimetil glicol, uma substância química. Entretanto, médicos não souberam informar, segundo boletim de ocorrência registrado na Polícia Militar (PM), qual a origem da substância e onde Antônio poderia tê-la ingerido.
Morte inédita
O militar aposentado foi o único morador de Juiz de Fora internado com diagnóstico de intoxicação por dimetil glicol no mês de maio. A administração do município disse em nota que não houve nenhum caso parecido nos hospitais da cidade, “nos dias anteriores ou posteriores ao caso em questão”, informou na tarde de terça-feira (1º).
A Vigilância Sanitária foi notificada pela equipe médica do Hospital Albert Sabin após a conclusão da biópsia renal de Antônio Paulo dos Santos. Em função da suspeita, o órgão determinou o recolhimento das latas de cerveja Brussels ingeridas pelo militar e que se encontravam na casa dele. Amostras estão sob a tutela do Estado de Minas Gerais, e submetidas à análise, como dito anteriormente, nos laboratórios da Funed.
Produção permitida
Cervejas da Brussels não foram retiradas do mercado, como afirmou a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) na noite de segunda-feira (31). O município não esclareceu o porquê de não ter determinado o recolhimento das bebidas produzidas pela marca apesar da suspeita de intoxicação pela cerveja. Aliás, na nota enviada a administração refere-se apenas a “alimento suspeito” e reafirmou que nada foi retirado do mercado.
Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que não recomendou a interrupção da fabricação da cerveja, assim como não expediu determinação para inspeção nas instalações da indústria. “Até o momento, não há evidência no caso em questão que estabeleça relação direta do óbito com o consumo do produto. Portanto, ainda não se justifica uma ação de fiscalização”.
Cervejaria não usa substâncias químicas inapropriadas
Procurada, a marca Brussels negou o uso de dimetil glicol em qualquer etapa da produção de cervejas na fábrica em Cláudio. Por meio de nota, representantes disseram que o resfriamento nos tanques de fermentação das bebidas é feito com aplicação de Álcool Etílico Potável, como em outras cervejarias no Brasil.
“Não fazemos uso de nenhuma outra substância em qualquer parte do processo”, declararam. Em relação à produção, o Mapa insistiu que a fábrica foi submetida a fiscalização no ano passado, e laudos atestaram que a empresa não utiliza nenhum glicol, “nem mesmo os aprovados para uso alimentar, como líquidos refrigerantes”.
‘Síndrome de Backer’
A suspeita de que a insuficiência renal apresentada pelo militar Antônio Paulo dos Santos e a intoxicação por dimetil glicol constatada pelos médicos estariam ligadas à ingestão de cerveja trouxe à lembrança nas redes sociais os episódios ligados à contaminação provocada pela Belorizontina, da Backer. Entretanto, não há confirmação de que o envenenamento do policial seja fruto da ingestão da bebida produzida pela Brussels, segundo os órgãos de investigação.
Fabricante de cerveja e presidente da Federação Brasileira de Cervejas Artesanais (FebraCerva), Marco Falcone fala em “Síndrome de Backer” para explicar a relação. “Esse é um fato improvável (sobre a intoxicação do militar por cerveja). É o que eu chamo hoje de ‘Síndrome de Backer’. Nós estamos vivendo um estigma. Esse militar já estava passando mal, tomou a cerveja e a morte dele foi atribuída à cerveja. Não existe qualquer comprovação”, disse em entrevista à Rádio Super (91,7) nesta tarde de terça-feira.
Ele ponderou que a fiscalização nas cervejarias foi intensificada desde o ocorrido na Backer. “O controle de qualidade das cervejarias artesanais se intensificou violentamente. Hoje, em uma reunião da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cerveja, o Mapa confirmou mostrando laudos que essa cervejaria (que produz a Brussels) foi fiscalizada, e não utilizava nenhum tipo de glicol. O que eles usam é etanol, que é o que todas as cervejarias utilizam para resfriamento nos tanques de fermentação, uma substância que não é tóxica para o organismo”, conclui.
Relembre: Backer
A internação maciça de moradores de Belo Horizonte que consumiram a cerveja Belorizontina entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020 e apresentaram, em seguida, os mesmos sintomas despertou a atenção das autoridades. Um inquérito foi instaurado à época para investigar as circunstâncias da suposta contaminação. Inicialmente nomeado “doença misteriosa”, o quadro de saúde desses pacientes apresentava semelhanças – todos eram diagnosticados com complicações neurológicas e insuficiência renal; diagnóstico foi posteriormente chamado de “síndrome nefroneural”.
Um ano após o inquérito ser instaurado, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) atestou contaminação tóxica por dietilenoglicol, substância tóxica encontrada na cerveja da Backer. Laudos indicaram que um furo em um dos tanques de resfriamento da cervejaria, instalada no bairro Olhos D’Água, na região Oeste de BH, levou à contaminação da bebida alcoólica pelo dietilenoglicol – usado no processo. Ao todo, 29 pessoas foram identificadas como vítimas da intoxicação, 11 delas morreram e as outras sobreviveram com sequelas. Dez pessoas ligadas à Backer foram indiciadas por homicídio culposo, lesão corporal culposa e adulteração de bebidas. Processos movidos pelas vítimas estão em andamento no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
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