O rock foi inventado pelos norte-americanos, com base em suas raízes culturais, e então não é atoa que eles são bons nisso, a tradição lá é fantástica e os arranjos são desde sempre um primor, mas esse humilde morador de Prados que vos escreve, um simples curioso, particularmente sempre achou que as letras aqui no Brasil são muuuuuuito mais ricas, e hoje trago um exemplo bem particular disso.
A coluna “Todo dia é dia de rock” orgulhosamente traz hoje um episódio onde o nosso grande Raulzito criou uma versão de uma música da lenda Little Richard, transformando uma letra “fútil” em uma poderosa crítica social.
Bom, vamos lá… Slippin’ and Slidin” é uma música lançada no longíncuo 1956 pelo Little Richard, composição dele em parceria com Edwin Bocage, Albert Collins e James Smith. A música é uma “delícia”, com riffs bem legais, dá vontade de dançar “demais da conta”, mas tem uma letra simples e despretensiosa, sobre conquistas. Era dançante e virou hit… Ouça abaixo:
Talvez você ainda não tenha se familiarizado com o som, mas entre as inúmeras versões que ela foi ganhando depois ao longo dos anos, tem essa abaixo de 1975, com um tal John Lennon, cujo espetacular arranjo você certamente reconhecerá de cara:
Isso aí meus amigos, é esse arranjo de Lennon que foi adaptado aqui no Brasil por ninguém mais, ninguém menos que o nosso Raul Seixas, maluco beleza, imortal, o cara…
A versão do Raul foi lançada em 1983, coincidentemente ano em que esse ex-cabeludo aqui nasceu. A ditadura ainda rolava solta no nosso país e artistas como Raul tinham que se virar com letras inteligentes, pra desviar da censura e fazer críticas sociais. Foi esse o caso com “Não fosse o Cabral”.
Raul pegou o hit dos anos 50 que tinha letra pobre (mas era hit), o arranjo de Lennon e tascou ali uma letra de PESO!
Na música ele escancara os problemas sociais (muitos deles aí até hoje, cerca de 40 anos depois)… a falta de cultura e a falsa propaganda dos militares, por exemplo, e depois taca um: “Dane-se quem não gostar…” direcionando isso aos ditadores governistas da época, e finaliza refletindo que Cabral (o descobridor) não tem culpa nenhuma dessa baderna que virou o país, a culpa era de quem estava ali no poder naquele momento
Há vários trechos com críticas explícitas ao longo da música. Veja exemplos:
-“Tudo aqui me falta e a taxa é muito alta” = (Pobreza)
– “Assovia que é pra disfarçar…” = (Tinha que se disfarçar pra não parar em um porão, um pau de arara ou coisa pior)
– “Falta de cultura. Ninguém chega à sua altura” = (Crítica a alta sociedade)
-“Por fora é só filó. Dentro é mulambo só.” (Fora do Brasil era passada uma falsa imagem de desenvolvimento, enquanto aqui dentro todos sabemos como era a miséria e a inflação, aumento da dívida externa e perseguição)
-“E dá-lhe ignorância. Em toda circunstância. Não tenho de que me orgulhar” (Que ‘heróis’ tínhamos no Brasil naquela época pra se orgulhar?)
– “Eu duvido que isso vai mudar…” (Aqui ele mexeu com os ânimos da galera, um desafio aos jovens, uma sacudida em prol de mudança).
Raul era um gênio, de uma geração criativa e potente, que deixou um legado musical e de pensamentos que felizmente vive, e ressoa até hoje. Ouça abaixo “Não fosse o Cabral”:
Espero que vocês tenham gostado do texto, dos sons, afinal rock é bom demais, e já que tiveram paciência de chegar até aqui, e que o texto começou com Little Richard (que aliás, era pequeno no tamanho, mas gigante musicalmente), vou deixar abaixo um bônus, uma coletânea do cara, pra ninguém ficar parado.
LONG LIVE ROCK AND ROLL GALERA!!!!!!! Toca Raul, e Toca Little Richard também, claro.
Rodrigo Oliveira
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