Dá para acreditar que o celular foi criado há exatamente 50 anos? Nesta segunda-feira (03), toda a indústria comemorou a primeira ligação telefônica. Ela foi feita por Martin Cooper, então funcionário da Motorola, em Nova York. Passado meio século, o simpático engenheiro faz um balanço sobre o invento. Ele diz que a ideia do aparelho surgiu para fazer frente a um inimigo terrível: uma grande corporação. Também reconhece que, lá em 1973, já sabia que o telefone móvel seria usado por todo mundo.
E é mesmo: existem 4,2 bilhões de usuários no planeta, de acordo com a GSMA, a associação de empresas do setor. Só no Brasil são 250,6 milhões de linhas móveis em funcionamento, segundo dados oficiais da Anatel – praticamente uma para cada habitante
Atento a tudo que acontece no mercado, Cooper, de 94 anos, também palpita sobre tecnologias mais recentes. Ele dá risada ao falar de metaverso, pois, na visão dele, Mark Zuckerberg se deu mal. Além disso, diz que o 5G é um passo importante, mas que nós deveríamos nos preocupar primeiro em levar o 4G a todos por um preço acessível.
Confira o papo, que foi realizado por videoconferência. O material foi editado para fins de clareza e brevidade.
Thássius Veloso – Como você chegou na ideia do celular?
Martin Cooper – A ideia é muito lógica se você parar para pensar. Eu estava envolvido com sistemas de rádio bidirecional, que são usados por policiais, bombeiros e alguns estabelecimentos. Estes aparelhos costumavam ficar dentro dos carros. Em 1969, o conglomerado de telefonia Bell era um monopólio nos Estados Unidos. Se você quisesse um telefone, tinha que comprar da Bell. Eles vieram com a ideia da telefonia celular, que basicamente equivalia a ter um telefone dentro do carro. Dá para acreditar? A gente já tinha ficado preso às nossas casas e cubículos de escritório por mais de cem anos por causa do telefone fixo. Agora querem nos prender nos nossos carros? A gente não concordava com isso. Eu estava pronto para um aparelho que eu poderia segurar com uma mão só e ficaria livre para ir a qualquer lugar. Ainda que eu trabalhasse numa empresa pequena na época, a Motorola, nós decidimos brigar com a Bell. Estávamos preocupados de que este conglomerado iria levar a melhor, pois eram gigantescos. Foi aí que eu decidi fazer uma demonstração deslumbrante da nova tecnologia. Mostramos às pessoas qual era a sensação de usar o celular.
E qual foi a reação das pessoas?
Foi maravilhosa. A nossa primeira aparição ocorreu na Sexta Avenida, em Nova York. Os novaiorquinos são muito blasé, né? Mesmo assim, eles paravam para olhar o que nós estávamos fazendo. Naquela época não existia nem o telefone sem fio. Isso atraiu muita atenção, inclusive dos políticos, como o pessoal da FCC [a Anatel dos EUA] e do Congresso.
Vocês imaginavam que este geringonça estaria em praticamente no bolso de todo mundo no planeta?
Claro que sim, Thássius! Naquela época, a gente brincava que ao nascer, uma criança receberia um número de telefone. Se não atendesse mais, é porque teria morrido. A gente sabia que todo mundo teria celular em algum momento da vida, mas não prevíamos que haveria nele uma câmera ou a internet. Nada disso existia em 1972. O máximo que a gente conseguia fazer era falar e ouvir. Pra maioria das pessoas, isso era um milagre.
As pessoas comentam comigo que a comunicação por voz importa muito pouco no smartphone. Como você vê isso?
O importante é que elas são capazes de manter contato com as pessoas de que gostam. E é possível fazer isso de muitas maneiras. Essas mesmas pessoas também contam com todo o conhecimento do planeta na ponta dos dedos. Mudou conceito do que é educação hoje em dia. Os estudantes podem ter acesso a isso, mas não saberem a diferença entre o real e o fake.
Toda tecnologia pode fazer coisas boas e ruins. O celular mudou o curso de humanidade, ao menos na minha visão. Ao mesmo tempo, vieram vários problemas. Você se arrepende de algo?
O segredo aqui é equilíbrio, assim como tudo na vida. É claro que existem coisas ruins. Quando eu fiz a primeira ligação lá em Nova York, eu só conseguia me concentrar na chamada em si. Eu dei um passo em direção à rua e quase fui atropelado por um táxi. Seria um feito histórico! Vejo isso acontecer diariamente hoje, com as pessoas andando na rua com o smartphone. Várias delas estão viciadas no telefone, mas não é a primeira vez que isso ocorre com uma nova tecnologia. A chegada da TV atraiu críticas e havia quem dissesse que as pessoas passariam a vida diante daquela tela. Não foi o que aconteceu. Acredite se quiser, mas mesmo quando o livro foi apresentado, choveu crítica porque as pessoas ficariam sem memória, já que tudo estaria escrito. O maior problema talvez sejam as redes sociais, repletas de informações ruins. De toda forma, eu tenho fé na humanidade e acredito que nós vamos resolver isso, ainda que demore.
Se você ainda trabalhasse num laboratório, o que colocaria nos aparelhos de hoje?
Nós ainda estamos no começo desta revolução e o próprio conceito de celular vai mudar nos próximos anos. Por exemplo, no campo da saúde. Em tese as pessoas deveriam ter pelo menos uma consulta anual com o médico. Isso é inútil! As doenças não esperam essa consulta para aparecerem. Elas podem surgir a qualquer momento. O jeito é ter um, talvez vários sensores no seu corpo que detectem que um problema de saúde está prestes a acontecer. Nós sabemos como fazer isso em relação a várias doenças. Existem sensores que sabem se você terá um AVC. Dá tempo de ligar para um médico ou receber instruções de um computador. Vai evitar coisas mais graves. Daqui a duas, talvez três gerações pode ser que acabemos com todas as doenças. Seria ótimo.
Atualmente fala-se muito em inteligência artificial. Alguns sistemas conseguem propor respostas para as mensagens que nós recebemos. Ou seja, a máquina escreve para você. Como o senhor já mencionou a importância da comunicação entre os seres humanos, teria algum receio de que a gente perca essa característica tão própria?
Você falando assim me lembrou do primeiro tear, quando se tornou possível produzir tecido com uma máquina em vez de recorrer aos tecelões com as suas próprias mãos. Nós precisamos aprender a usar as ferramentas. Este é o propósito da tecnologia: a aplicação da ciência para criar produtos e serviços que tornem as vidas das pessoas melhores. A IA nos liberta de tarefas difíceis e permite que a mente humana atue naquilo que faz melhor: criatividade. A gente não é muito bom em lembrar das coisas, nem em calcular, mas somos muito criativos.
Qual é o seu celular? Você usa pra quê?
Toda vez que uma fabricante inventa um novo aparelho, pode ter certeza de que terão pelo menos uma venda… pois eu sempre compro! Hoje eu tenho um iPhone 14 Pro Max porque ele consegue fazer o que nenhum outro smartphone consegue no campo dos exercícios físicos. Quando eu vou nadar, o meu Apple Watch detecta cada movimento e me conta tudo depois. Eu nem sei como eles sabem de todos esses detalhes. Essa integração é muito útil para mim, pelo menos até alguém aparecer com uma ideia melhor.
Você já testou os celulares dobráveis? O que achou?
Eu já usei os aparelhos da Samsung e da Motorola. A engenharia por trás deles é linda. Por outro lado, eles não resolvem nenhum novo problema, pelo menos para mim. Eu estou esperando eles acharem alguma função bacana.
Muita gente não tem acesso à internet. Só no Brasil, cerca de 25% da população estão nesta situação. O senhor acredita que a sociedade vai resolver este problema em breve?
Eu espero que sim! Isso é o mais importante para mim porque, por exemplo, os Estados Unidos deveriam ser um dos países mais avançados do planeta. No entanto, os planos de celular são muito caros. Metade dos estudantes não contam com serviço de telecomunicações porque não podem pagar ou estão numa região sem cobertura. Não tem desculpa para isso! É possível, com as tecnologias de hoje, colocar sinal no país inteiro, desde que vire uma obrigação para as operadoras. Eu não sou socialista, mas neste caso o governo deveria agir. As empresas só estão interessadas nas pessoas ricas.
Agora falando de futuro: qual a sua opinião sobre o metaverso? É real ou falcatrua?
Eu acredito que o mercado deu seu recado! Eles ainda estão tentando chegar a uma solução de verdade. Conforme eu te disse, gosto de testar tudo que aparece por aí. A ideia do metaverso é bem interessante, mas não tem nenhuma utilidade no nosso cotidiano. Se você parar pra pensar, a Apple e o Steve Jobs não inventaram o primeiro smartphone. Já existiam vários antes do iPhone surgir. Jobs veio com a interface gráfica que fez o aparelho ser útil para as pessoas. Talvez isso precise acontecer com o metaverso. Esta fórmula secreta ainda não foi descoberta e me parece que o Mark Zuckerberg percebeu isso da pior maneira possível.
Parece que a Apple vai lançar um capacete de realidade virtual neste ano. Qual seria o seu conselho para eles?
Eu ouvi esses mesmos rumores. Se eles tivessem certeza de que as pessoas querem a realidade virtual, essa não seria mais uma dúvida, sabe? Colocar o capacete para entrar no ambiente virtual é muito desagradável. Seria melhor usar óculos menores ou até mesmo substituir a pupila da pessoa por outra cibernética. O dispositivo tecnológico viraria praticamente parte do seu corpo, com direito a um sistema fácil de usar. Aí sim seria interessante. Quero só ver o que a Apple vai fazer. Ela é uma empresa tão rica e rentável que pode realizar muitos experimentos. Eu diria que tem 50% de chances de eles inventarem algo novo e 100% de chances de que todos aprenderemos com isso.
O senhor acredita que o 5G tem toda essa importância que a indústria tenta nos vender?
No futuro haverá muitas aplicações para o 5G. Essa nova rede é muito importante para a internet das coisas (IoT) por permitir o gerenciamento de toda sorte de dispositivos. Nós ainda não concluímos nem a internet das pessoas! O 5G não resolve a falta de acesso à internet dos estudantes. A tecnologia de mmWave [usada nos Estados Unidos para redes super-rápidas] não tem nada a ver com isso. Existe este desequilíbrio que precisa ser resolvido. As operadoras querem o 5G e mais frequências de telecomunicações para ampliar o monopólio. Eu discordo disso. O governo deveria obrigá-las a usar a tecnologia atual para levar a rede a mais pessoas antes de começarem a explorar o 5G.
Fonte: techtudo
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