Em nossa coluna, apresentamos aos nossos leitores, uma história que colhemos do livro “Prados, história e tradições” escrito por José Bonifácio Vale, o saudoso Zé Tatá. Filho de Oscar Rodrigues Teixeira Vale e Maria José da Silva Vale, nascido em 20 de março de 1904 tendo morrido em 21 de janeiro de 1988.
Como nos diz a também saudosa Dinah Alves Corgozinho:
“Morou, desde os nove anos de idade, na casa de número 16 da Praça Getúlio Silva.
Fazia um tipo um pouco excêntrico, sistemático, como dizíamos. Era desses pradenses “da gema”. Nunca saiu daqui e era bairrista ao extremo”.
Este é um dos muitos fatos apresentados no livro acima mencionado, que encontra-se em vias de ser publicado, realizando assim um sonho não realizado do nosso querido autor.
Nesta intrigante história ele nos relata, dentre outras coisas a origem do termo ATALAIA, que dá nome a um bairro da cidade e ao espetacular clube que ali se encontra instalado.
FATOS ESTRANHOS NA VIDA DE UM PADRE
Procedente de Portugal, aqui chegava, em outubro de 1752, o Padre Manuel Martins de Carvalho, nomeado por carta régia de 12 de janeiro daquele ano, para assumir o vicariato da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Prados, na qualidade de primeiro vigário colado.
Festivamente recebido pelo povo, foi o vigário recém-chegado conduzido ao sobrado paroquial, o mesmo em que hoje funciona o fórum desta Comarca.
Apesar de jovem, sabia o novo sacerdote impor respeito; não porque se mostrasse repreensivo e exigente, mas pela natural piedade que se estampava em seu semblante.
Depressa, o novo vigário provou ser extremamente caridoso; pois, contavam os antigos que diariamente saía ele ao encontro dos pobres, principalmente daqueles que por velhice ou doença lhe pareciam mais expostos à miséria; e procurando saber a necessidade de cada um, levava-lhes, depois, tudo o que lhes faltava em casa; os enfermos recebiam também os medicamentos indicados para cada caso.
E durante quarenta anos, desde que aqui chegara até seus últimos dias de vida, esteve o Padre Manuel Martins de Carvalho a serviço do bem. Respeitadíssimos por seus paroquianos, conseguiu ele conquistar as mais sinceras amizades, não só da classe desvalida, mas também dos ricos e poderosos.
Através das lendas extraordinárias que aqui se criaram em torno de sua vida, é hoje fácil compreender que a excessiva admiração dos habitantes da freguesia pelo Padre Manuel Martins tocava às raias do misticismo.
Zeloso ao extremo, mantinha sempre rigorosa pontualidade no cumprimento de seus deveres. Até mesmo com o sacrifício da própria saúde, não descurava das obrigações sacerdotais. A qualquer hora do dia, ou da noite, às vezes debaixo de fortes temporais, saía o bondoso sacerdote levando sacramentos a enfermos residentes nos sítios mais afastados da freguesia.
Contam que, certo dia, chamado para assistir um doente nas proximidades do Ribeirão do Livramento, partiu ele a cavalo, levando numa caixa de madeira todos os objetos sagrados, indispensáveis ao ato a que se destinavam. Chegara sem incidentes ao casebre do enfermo e a tempo de ministrar-lhe os últimos sacramentos.
Entretanto, na volta, ao aproximar-se de uma cava, onde o caminho se estendia no meio de um capão cerrado, dois bandoleiros, homiziados naquelas regiões desertas, talvez supondo que o vigário levasse dinheiro ou outros valores na caixa de madeira, combinaram assaltá-lo. Prepararam os mosquetes, ficando de tocaia no alto da pequena cava, por detrás de uma moita.
Sempre atentos na vítima, aguardavam os malfeitores o momento do assalto. Em marcha lenta vinha o Padre aos poucos se aproximando. Inopinadamente, notaram os facínoras, um tanto aparvalhados, que o sacerdote havia desaparecido de cima do animal. Ora, como se explica semelhante fato? – pensavam, aturdidos. O cavalo, todavia, sem interromper a marcha, passou por eles arreado mas sem o cavaleiro. Imóveis e silenciosos, ali permaneceram os bandidos completamente apatetados, acompanhando o animal com as vistas. Por mais que forçassem o raciocínio em busca de uma explicação lógica para o que acabavam de presenciar, não conseguiam sequer uma centelha esclarecedora capaz de arrancá-los do estado confuso em que se encontravam. Mais assombrados ficaram ainda, quando, pouco adiante, viram o sacerdote reaparecendo montado no cavalo, sem nenhuma dúvida tão logo conseguia pôr-se fora do alcance de suas armas homicidas. Diante dessa ocorrência sobrenatural, os dois facínoras entreolharam-se atônitos, e nada mais esperaram para se ingressarem no caminho do bem; abandonando, pois, as armas, correram ao encontro do virtuoso Padre, a fim de confessar seus crimes e lhe pediram perdão.
O lugar em que deveria dar-se o assalto tornou-se conhecido por Atalaia, pelo fato de ficarem os bandidos de sentinela, esperando o vigário; referido nome ainda conserva em nossos dias.
A vida do Padre Manuel Martins de Carvalho desenrola-se numa série de acontecimentos extraordinários e termina com esta misteriosa ocorrência:
Acometido de pertinaz moléstia, o sacerdote ia definhando no fundo do leito. O clínico do lugar desenganara-o, pois já se haviam esgotados todos os recursos até então conhecidos da ciência médica, sem o menor resultado. À vista do Estado nada lisonjeiro do doente, proibira o médico visitas em seu quarto; contudo recomendou aos enfermeiros que nunca o deixassem a sós. O Padre piorava dia a dia; na casa só se ouviam cochichos e só se andava nas pontas dos pés, evitando-se assim quaisquer ruídos.
No momento em que esperavam o Padre expirar, apareceu, na casa, um velho desconhecido, de longas barbas brancas e coberto de andrajos; aos enfermeiros que vieram atendê-lo na porta, declarou que desejava ver o sacerdote moribundo. O velho, porém, humilde e triste, amparando o corpo débil e exausto no seu bordão, alegou, com voz plangente, que viera de tão longe, arrostando as vicissitudes de jornada unicamente para ver seu amigo Padre Manuel Martins pela última vez. Os enfermeiros, entretanto, vencidos pelas ponderações do velho, e vendo que tal visita em nada poderia prejudicar o doente, acabaram consentindo em que ele entrasse no quarto.
Decorridos alguns segundos, à casa paroquial chegava outro desconhecido, em idênticas condições, desejando, do mesmo modo, ver o Padre pela última vez. A princípio, tentaram os enfermeiros obstar-lhe a entrada. Mas, por fim, concordaram em que este também pudesse visitar o Padre.
Um terceiro forasteiro surgiu ainda, vestido como os antecedentes e usando das mesmas palavras. Alarmados com tanta coincidência, e vendo uma sombra de mistério nessas aparições sem oferecer menor resistência, conduziram o terceiro ancião ao quarto do vigário.
Fecharam a porta por dentro, ficando enfermeiros e velhos presos no quarto. Os visitantes acercaram-se a cabeceira do moribundo. Nesse comenos, o virtuoso sacerdote ergueu-se do leito, no esforço ingente, apontando um crucifico pendente da parede. Compreenderam os circunstantes haver chegado o enfermo a seus últimos alentos. Levaram-lhe a imagem e a vela as mãos. Isto feito, com aquela serenidade que caracteriza os justos na hora suprema, o vigário fechou os olhos, retesou o corpo e estendeu-se ao comprido leito. Assim encerrava o Padre Manuel Martins a sua santa e grande missão neste mundo.
Antes que os enfermeiros saíssem do quarto, para anunciar aos paroquianos a infausta notícia do falecimento do virtuoso sacerdote, notaram, perplexos, que os três velhos haviam desaparecido como por encanto; pois, a porta continuava a chave por dentro, e nenhum vestígio destes viram no recinto.
O Padre Manuel Martins de Carvalho era devoto de Santíssima Trindade; no dizer dos antigos, os três visitantes que, com tamanho empenho desejaram vê-lo pela última vez, eram, com certeza as três pessoas que constituem o sacratíssimo mistério: Pai, Filho e Espírito Santo.
*O conteúdo desta coluna é de exclusiva responsabilidade de seu autor. As colunas são um campo aberto para os seus autores, e quaisquer opiniões nelas, não é uma opinião do Prados Online.
Prados Online
2012 Prados Online | cnpj: 15.652.626/0001-50