Há pouco estive em Belo Horizonte e após percorrer a pé parte do centro da cidade, entrei na conhecida Igreja de São José, dos padres redentoristas. Vivi então, dois momentos distintos e até antagônicos: o primeiro de observação de uma realidade caótica e frenética, o movimento do centro da cidade; o segundo momento, a experiência de oásis que fiz ao entrar na Igreja de São José e me perguntei: o que estas pessoas que aqui estão vieram buscar? Esta experiência despertou em mim uma indagação: qual o lugar do silêncio na sociedade atual? Ainda há espaço para o silêncio em nosso contexto? O que entendemos por silêncio?
Temos um pressuposto básico do qual queremos partir! Parece ser ponto pacífico a seguinte constatação: vivemos, por assim dizer, na sociedade do barulho, da agitação, da correria, da pressa. Recentemente me chamou atenção o relato de um amigo, dizia ele, que seu computador era muito lento, pedi a ele que cronometrasse o tempo que seu computador levava para abrir os programas: imaginem o resultado! Segundos! Este fato nos faz pensar no modo como nos relacionamos com o tempo que afinal, é uma convenção humana. Categorias como “muito tempo” ou “pouco tempo” são medidas relativas. Ninguém se lembra mais, por exemplo, da velha TV de válvula que levava algumas “décadas” para abrir a imagem! A referência de tempo era outra. Afinal, o que estamos querendo com tanta pressa? Certo é que vivemos na sociedade da pressa e do barulho. Basta olhar à nossa volta, sons automotivos, bailes, gritos, mudanças nos hábitos das pessoas. Há quem diga que temos, em nossa sociedade, uma “inundação de estímulos” e temos dificuldade de “filtrar” a enxurrada de informações e estímulos que chegam até nós. Talvez isto seja menos sentido nas pequenas cidades, porém, basta visitar uma grande cidade e perceberemos o apelo das propagandas, os outdoors, serviços de som etc.. Até mesmo nossas liturgias católicas tem sofrido tal influência, existe uma tentação de se manter o fiel o tempo todo estimulado, cantando, gesticulando. Até aqui constatamos um fenômeno: a sociedade atual parece ter medo do silêncio, é preciso preencher todos os espaços vazios.
É óbvio, que com nossa reflexão não mudaremos a sociedade, o status quo, contudo, o que está ao nosso alcance é mudar o nosso interior. Quero levá-lo então a perceber o silêncio como uma realidade terapêutica e vital para o equilíbrio humano. Sabe-se hoje que fazer diariamente um momento de meditação e silêncio pode ser benéfico, inclusive para nossa saúde. Quem sabe a partir desse pequeno artigo você leitor incorpore este bom hábito em sua vida! Experimente!
Diria mais, é possível fazer silêncio mesmo sufocado pelo barulho do mundo exterior. São Bento, um dos pais do monaquismo ocidental nos ensinava, há mais de mil e quinhentos anos atrás, o que importa é a atitude de silêncio interior, o silêncio como sentido para a presença de Deus e como repouso e recolhimento em Deus. Para chegarmos a este estágio necessitamos de ascese, ou seja, de exercitar o espírito. Recentemente Frei Beto disse que na sociedade atual há uma preocupação exagerada em “malhar” o corpo, e conclui: deveríamos também nos preocupar em “malhar” o espírito. Comece por desenvolver uma espiritualidade do silêncio.
O que estaria por detrás do fenômeno, do medo do silêncio? Arrisco uma explicação. Este medo do silêncio, que caracteriza a sociedade atual, seria o resultado da dificuldade que tem o homem moderno de encontrar-se consigo mesmo! Esta resposta parece convencer-me, pois explica, pelo menos em parte, o fenômeno em questão. Via de regra, os fenômenos não têm somente uma só causa. Sendo assim, podemos dizer que temos medo de nós mesmos, medo dos nossos “fantasmas” que povoam nosso inconsciente, nosso psiquismo. Nesse sentido, acertadamente disse o patriarca Atenágoras “… a mais dura das guerras é a que se trava contra si mesmo”, aquela que se trava contra nossos “fantasmas”. Também nesse sentido dizia Blaise Pascal “o silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora (…) quantos reinos nos ignoram”! Há que se considerar que Pascal viu e viveu justamente a passagem da idade medieval para a moderna, ou seja, ele assistiu a ruína da ordem teocêntrica medieval e o nascimento do antropocêntrismo, quando o homem descobre-se o centro da realidade. Ele mesmo, Blaise Pascal descobriu-se sendo o centro solitário do mundo real.
Voltemos, contudo ao nosso foco. O que é mesmo o silêncio? Seria só se calar? De novo recorremos a São Bento. Para ele o silêncio é caminho para o auto encontro, para a escuta dos outros, é abertura para o totalmente outro (Ganz Andere) que é Deus, e ainda, ferramenta que nos faz alcançar o “reto falar”. Sobre este último tópico cabe um aprofundamento. O silêncio pode ser interpretado por muitos como uma espécie de mudez, quando na verdade não o é. O silêncio e o “reto falar” constituem uma só coisa, são duas realidades inseparáveis. Quem aprendeu o “reto silêncio” também já aprendeu o “reto falar”. Vale recordar aqui uma canção do grande compositor Pe. Zezinho na qual ele reza: “dá-me a palavra certa, na hora certa e do jeito certo e pra pessoa certa”. Assim devemos rezar se quisermos desenvolver a espiritualidade do silêncio ou do “reto falar”. Ademais vai nos dizer o sábio em paralelismo antitético:” …no muito falar não falta o pecado, mas o que modera os lábios é prudente”. E por fim, ouçamos o Pai dos monges “o sábio se conhece pelas poucas palavras”. Aventure-se pelo caminho árido, pelo deserto do silêncio… perca o medo do silêncio! Feliz 2013!
Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros
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