A Semana Santa começa a ser celebrada a partir de amanhã (24) em Prados. Se ainda hoje essa festa é um momento ímpar na vida de nossa tradicional cidade, imagina lá atrás, nos anos de 1920.
O nosso amigo Luís Fonseca, pradense que adora preservar e perpetuar nosso patrimônio, tradições e “pradensices”, encontrou uma verdadeira pérola, um texto do Jornal Correio de Prados, uma espécie de Prados Online de quase um século atrás, lá dos anos 20. Vale muito a pena ler o prefácio escrito pelo próprio Luís, e mais abaixo, a crônica escrita pelo Flávio. Estamos falando aqui de uma verdadeira volta no tempo, sob o ponto de vista daquela época. Boa viagem!
PRADOS ERA ASSIM…
Luís Fonseca e Silva
Remexendo em meus rotos alfarrábios, deparei-me com uma publicação no jornal “Correio de Prados”, datada de 21/03/1920, com uma crônica intitulada “Crônica Sobre a Semana Santa”. O texto é de autoria de um certo “Flávio”, ainda não identificado, porém, imagino tratar-se de pseudônimo de algum pradense típico e notório, seja pelo detalhamento dos acontecimentos que antecedem as solenidades da Paixão de Cristo, seja pelo bom humor com que se refere a algumas passagens. Ainda que o autor seja rotulado como “um turista” pelo referido periódico, acho que foi um pradense que escreveu este interessante texto.
É indispensável ressaltar que, devido ao péssimo estado de conservação do jornal, alguns trechos não foram possíveis de serem copiados, ficando os mesmos registrados pelos pontos entre parênteses. Mas, apesar disto, o texto não deixa de ser histórico e deliciosamente encantador, valendo a pena abaixo transcrevê-lo.
CRONICA SOBRE A SEMANA SANTA
No caderno de notas e impressões de um turista que aqui esteve há anos, encontramos, além das observações sobre o lugar, as seguintes linhas, que por sua oportunidade tem algum valor. Trata-se da Semana Santa, ou antes, dos seus preparativos, que o viajante, por método, dividiu por esta forma:
Fins de Janeiro – os negociantes fazem sortimento; os mais apressados pedem figurinos e amostras
Primeira quinzena de Fevereiro – a festa já dá para assunto de conversa; os homens calculam gastos, as mulheres projetam vestuários, escolhem fazendas, a Câmara (1) manda podar a grama das calçadas e dá balanço no estoque de querosene (2), a fim de que não falte; grande procura de pedreiros para retoques e limpeza das casas.
Segunda quinzena de fevereiro – os fazendeiros contratam casas para aluguéis (…..) os homens viajam para São João fazer ternos e comprar sapatos para a família; passa-se revista na casa, a ver o que falta; há vinte chamados urgentes para cada pedreiro, cuja cotação se eleva; as criadas tomam dois, quatro meses adiantados; encomenda de padres (3) – discute-se a eloquência deste, a voz daquele; a Câmara repara os calçamentos (4), desvia esgotos (5), limpa as ribas dos córregos.
Primeira quinzena de Março – intensificam-se os serviços, publicação do programa da festa; os fazendeiros reclamam consertos nas estradas para o trânsito dos carros de bois; – “sabe se fulano vem? Sicrano já escreveu que vem”; grande atividade das máquinas de costura, tanto falam as tesouras de aço como as de carne; começam a sumir as páginas de todos os figurinos para evitar vestidos iguais; entra e sai nos negócios, fitas, rendas e botões pra lá e pra cá; a falta de uma combinação para o vestido inquieta mais do que uma dispepsia (6); os afilhados formigam atrás dos padrinhos à cata de chapéus (7) e roupas; grande falta de ovos no mercado; um frango fica mais caro do que uma estrada sem atoleiro ou um padre que não esteja comprometido.
Segunda quinzena de Março – 28 é domingo de ramos: começam a chegar as encomendas de fora; a tardança de uma delas anuvia mais o horizonte (para o dono) do que a iminência da espanhola (8); limpeza da caixa d’ água, última dê mão (9) nos serviços públicos; põe-se cascalho aqui, acolá, no itinerário (10) a procissões; os passinhos são abertos para expurgo do mofo; a música ensaia três vezes ao dia o programa a executar; todos aparam o cabelo; nas oficinas de costura (e há uma em cada casa, às vezes duas) a atividade e confusão transtornam todas as paciências masculinas; as mulheres se movem e se entendem perfeitamente naquela balbúrdia sem trocar a manga de um vestido ou a casa de um botão; o barulho das máquinas só encontra rival np vpzerio das costureiras; e se acontece ter passarinhos na casa… o marido não precisa se confessar, só fica com o pecado original; ali se sabe o feitio de todos os vestidos e os vestidos de todo mundo.
Últimos dias – todo mundo lava a casa (11); corridas apressadas aos negócios para artigo de remate; os caixeiros (12) ficam apalermados; impossibilidade quase absoluta de se comprar uma verruma ou outra arma fora da estação; todos os figurinos ficam reduzidos à capa e alguns a última folha desta; os maridos que entram em casa de repente vêm sumir em cada porta uma saia branca cobrindo um calcanhar que se ocultas às carreiras; exame e limpeza das lanternas; limpeza das igrejas, limpeza das casas, limpezas das ruas, limpeza de tudo; há uma imundicia de asseio.
Sábado de passos – 27 de março. Chegada dos fazendeiros. Essa chegada marca o início definitivo da festa, que daí por diante nem um cataclismo faria tamanho arrebatamento. (…..).
-X-
(1) Naquela época, à Câmara competia a administração municipal e o seu presidente era o Agente Executivo (função que equivale à de prefeito, atualmente).
(2) A iluminação pública era composta por postes com lanternas a querosene. A energia elétrica, em Prados, foi implantada em 1921.
(3) Os padres, que pregavam/discursavam durante a Semana Santa, eram criteriosamente escolhidos e bem pagos pela participação.
(4) As ruas com calçamento eram aquelas de acesso à Matriz e à Capela do Rosário, ou seja, as atuais vias públicas: Ladeira N.S. da Conceição, rua Profº Antônio Américo da Costa, rua Cel. João Luiz de Campos, rua Cap. Manoel Dias de Oliveira, rua Cel. José Manoel Montes e parte da rua Ministro Gabriel Passos. O calçamento era de pedras “redondas”.
(5) O esgoto corria a céu aberto, antigamente. A rede de esgoto de Prados viria a ser inaugurada em 1940.
(6) Distúrbio da função digestiva; má digestão.
(7) Naquela época o chapéu era um acessório indispensável no figurino masculino, independentemente de sua idade e de sua classe social.
(8) Gripe de 1918. Foi uma pandemia do vírus influenza, que se espalhou por quase toda parte do mundo, inclusive em Prados. Era, frequentemente, mortal.
(9) O mesmo que demão: ajuda; auxílio; mão.
(10) Sendo algumas ruas não calçadas, havia a necessidade deste procedimento, prevenindo-se de lamas e/ou poeiras.
(11) Utilizava-se as fibras da pita, planta nativa de regiões tropicais, inclusive em Prados.
(12) Termo, comum usado, antigamente, para referir-se à pessoa que trabalhava em estabelecimento comercial atendendo os clientes no balcão; balconista.
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