Parte I – Guimarães Rosa – parte 1
Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
Mas foi nesse lugar, no tempo dito, que meus destinos foram fechados. Será que tem um ponto certo, dele a gente não podendo mais voltar para trás?
Só o que a gente pode pensar em pé – isso é o que vale.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.
Só se pode viver perto de outo, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito.
A gente só sabe bem aquilo que não entende.
De homem que não possui nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, o senhor tenha todo medo! O que mais digo: convém nunca a gente entrar no meio de pessoas muito diferentes da gente. (…) O que assenta justo é cada um fugir do que bem não se pertence.
O medo da confusão das coisas, no mover desses futuros, que tudo é desordem. E, enquanto houver no mundo um vivente medroso, um menino tremor, todos perigam – o contagioso. Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu – o que quero e sobrequero -: é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim!
Eu tinha medo de homem humano. (…) E tudo conto, como está dito. Não gosto de me esquecer de coisa nenhuma. Esquecer, para mim, é quase igual a perder dinheiro.
E, o que era que eu queria? Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria só tudo. Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era – ficar sendo!
Só outro silêncio. O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente meso, demais.
Só nos olhos das pessoas é que eu procurava o macio interno delas; só nos onde os olhos.
A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes…
Dentro de mim eu tenho um sono, e mas fora de mim eu vejo um sonho – um sonho eu tive. O fim de fomes.
Aqui digo: que se teme por amor; mas que, por amor, também, é que a coragem se faz.
A opinião das outras pessoas vai se escorrendo delas, sorrateira, e se mescla aos tantos, mesmo sem a gente saber, com a maneira da ideia da gente!
Quieto; muito quieto é que a gente chama o amor: como em quieto as coisas chamam a gente.
O amor só mente para dizer maior verdade.
Hoje eu quero é a fé, mais a bondade. Só que não entendo quem se praz com nada ou pouco; eu, não me serve cheirar a poeira do cogulo – mais quero mexer com minhas mãos e ir ver recrescer a massa…
Eu sei: quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade…
O senhor escute meu coração, pegue no meu pulso O senhor avista meus cabelos brancos… Viver – não é? – é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. O sertão me produz, depois me enguliu, depois me cuspiu do quente da boca…
O memino Guirigó – uma mão apertando as costas da outra, seguidos esses estremecimentos, repuxava a cara, mas com os beiços abertos em dôr, tudo uma careta. Ele era um menino. E o cego Borromeu fechava os olhos.
Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo.
Aqui a estória se acabou.
Aqui, a estória acabada.
Aqui a estória acaba.
Existe é homem humano. Travessia.
João Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas – 1956
Octávio Ferreira
Prados Online
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