Não poderia passar o ano sem escrever texto algum em dezembro, onde a coluna faz aniversário. E deixei propositalmente esse último texto para o dia 31 de Dezembro, a famigerada noite de ano novo, ou até depois, quando você provavelmente estará lendo esses escritos, já em 2020.
Se fosse um jogo de futebol com acréscimos de 1 minuto no primeiro tempo e 3 no segundo, estaríamos aproximadamente no momento 47:45 da segunda metade. Todos prontos pra comemorar (ou não) o final do jogo. Chorar de alegria ou tristeza, como vimos em finais do mesmo esporte em 2019 pelo Brasil. Mas como diz o ditado popular, o jogo só acaba quando o juiz apita, e mesmo em dezembro, mês de férias, ou naquele limbo entre natal e ano novo, muita coisa pode acontecer.
Começo e termino o ano em Minas Gerais, onde me sinto em casa, mas agora na condição de visitante. Ao menos pra mim, nessa última semana muita coisa aconteceu. Voltei pro país que nasci, perdi voos, viajei de ônibus em grandes distâncias, troquei de instrumento, matei saudade de muita gente querida, outras se distanciaram, estive em lugares queridos e revisitei as tradicionais metas para o próximo ano.
Lembrando a famosa música de Milton, também vi muitas chegadas e partidas. Quem me conhece pessoalmente sabe que amo estar em locais públicos com várias pessoas. Adoro observar. E nessa última semana, nos acréscimos já, vi emocionado uma mãe que voltava para casa depois de 2 anos morando em outro país, e quando finalmente poderá ver seu filho novamente. Também vi, um casal extremamente fofo de idosos se despedindo ao uma das pessoas entrar no ônibus, com muita emoção e lágrimas nos olhos. Nessas situações vamos aprendendo o quão forte são os laços que criamos.
Uma das coisas mais curiosas que aprendi nesse ano foi a perspectiva. Vi Da Vinci, Van Gogh ou Monet originais em pessoa, mas também vi batalha de rap em cidade grande e bloco de carnaval de uma forma incrivelmente heterogênea. Com algumas poucas viagens a trabalho no Brasil, em diferentes concertos, me sentia um cidadão livre e do mundo, sem lugar definido. Ao mudar de cultura, nunca me senti tão preso, arraigado e com uma identidade brasileira e latina. Aprendi o que são raizes e o quão importante, desafiadoras e determinantes são para nossa pessoa. Sempre lembro de Belchior nessas horas. Uma de suas músicas preferidas para mim é uma carta aberta de sentimentos de encontros e despedidas, como diria o canônico mineiro citado acima.
Tudo isso certamente fez com que 2019 fosse um ano bastante relevante e marcante para encerrarmos a segunda década do século XXI no calendário romano. Também foi um ano de polêmicas e muitas dificuldades, pra todos os irmãos brasileiros, colegas latino-americanos e até de outros países, mas independente do resultado de seu jogo, está chegando ao final para mais um ciclo começar.
Espero que tenham tido um natal bastante feliz em seus lugares, e desejo aqui um profundo feliz ano novo e um novo ciclo s todos os leitores. Que saibamos olhar pra trás para começar 2020 melhores, mais fortes, unidos e dispostos a lutar. Faz-se necessário nos tempos atuais.
No mais musical dos textos em 2019, deixo aqui um trecho do “Monólogo ao pé do ouvido”, abertura do CD “Da Lama ao Caos”, de Chico Science & Nação Zumbi. Dediquei um tempo ao álbum recentemente. Uma mensagem bastante forte no que se refere a luta e resistência. Pra mim um dos melhores álbuns do rock e da música brasileira. Musicalmente pesado e agressivo, ácido, controverso e subversivo na letra, na medida exata como o rock pede. Também extremamente influenciado pela cultura local, obra maravilhosa que ainda não é conhecida como deveria.
“O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrôgancia, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios os que destroem o poder
Bravio da humanidade
Viva Zapata!
Viva Sandino!
Viva Zumbi
Antônio conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza eles também cantaram um dia.”
Chico Science
Pra finalizar, deixo mais um retrato bastante icônico do Brasil, por Villa Lobos. A perspectiva de Milton, Belchior e Chico Science mostram um Brasil diverso, plural, multicultural, reflexivo, crítico e sofrido. Acho essa visão linda, pois mostra o quão humanos e artistas somos! Villa-Lobos, talvez o mais excêntrico dos mencionados, colocou nossa música em diferentes níveis ao redor do mundo, de tal forma que os demais mencionados não haviam chegado, ou caso positivo, de uma forma diferente. Bachianas Brasileiras no 4 é de morrer de linda, mas especialmente o final da segunda da série já está no coração da maioria de nós.
Aos curiosos, pulem pra 19:25 e evoquem Ferreira Gullar, outro grande brasileiro.
Esse não dá pra perder nada menos que tudo!
Octávio Deluchi
Prados Online
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