A morte de Antônio Paulo dos Santos, 61, depois de uma internação prolongada por intoxicação por dimetil glicol tornou-se alvo de investigação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) perante a hipótese de que a substância tóxica que provocou o óbito estaria presente em dois latões de cerveja consumidos pelo policial militar entre 7 e 8 de maio. O óbito foi registrado na última quinta-feira (27), no Hospital Albert Sabin, em Juiz de Fora, na Zona da Mata.
Por meio de nota na manhã de segunda-feira (31), a corporação informou que o procedimento para investigação foi instaurado, e que solicitou um laudo de necrópsia com detalhes sobre o quê provocou a morte. Boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar (PM) após o óbito indica que o médico responsável por Antônio na unidade de saúde pediu uma biópsia durante o período de internação, e o exame constatou a presença da substância tóxica, o dimetil glicol. À corporação, a mulher do militar aposentado disse que a Vigilância Sanitária de Juiz de Fora compareceu na residência da família e recolheu quatro latões da cerveja comprada pela vítima – dois deles já consumidos, e os outros dois lacrados.
Antônio Paulo dos Santos foi diagnosticado com insuficiência renal, e internado em um leito no Centro de Terapia Intensiva (CTI) para hemodiálise depois de dar entrada no hospital em 13 de maio. Ele foi intubado no dia seguinte. Antes, o aposentado já havia procurado o hospital, em 9 de maio, quando foi diagnosticado com intoxicação alimentar, medicado e liberado.
À Polícia Militar (PM), para o registro da ocorrência, médicos às vésperas da morte dele relataram que não poderiam afirmar como ocorreu a intoxicação por dimetil glicol. Na quinta-feira (27), dia do óbito, a equipe médica que o atendeu informou à PM que o ex-militar não respondia mais às funções cerebrais. Nota no boletim de ocorrência cita confirmação por envenenamento, “não se sabendo a origem, nem a autoria ou a fonte da referida intoxicação”.
Cervejaria mineira
A cerveja ingerida por Antônio é fabricada no município de Cláudio, na região Centro-Oeste de Minas Gerais, e pertence à marca mineira “Brussels”. Representantes foram procurados por e-mail, pelas redes sociais ligadas à cervejaria e pelos números de telefone fixo registrados no endereço da fábrica. O retorno às questões feitas foi concedido às 15h51 de segunda-feira (31), e em nota pelo Instagram o fabricante da bebida informou que segue o padrão de produção determinado e usa apenas Álcool Etílico Potável para o sistema de resfriamento. “Não fazemos uso de nenhuma outra substância, em qualquer parte do processo”, declarou. Cervejaria afirmou também que foi submetida a inspeção recente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Em relação à morte de Antônio Paulo dos Santos e as complicações clínicas do quadro de saúde dele durante a internação, o Hospital Albert Sabin informou que não emitirá pronunciamento sobre. “O Hospital Albert Sabin, respaldado pela Lei Geral de Proteção de Dados, se reserva no direito de não se pronunciar em relação ao caso clínico do paciente”, informou a assessoria da unidade de saúde à tarde de segunda-feira.
À Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), O TEMPO indagou se o município determinou o recolhimento de cervejas produzidas pela marca das prateleiras dos mercados na cidade da Zona da Mata, mas o executivo informou que não mandou retirar a bebida dos comércios. Mas a administração do município confirmou que o Departamento de Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde recolheu e enviou para análise “alimento suspeito, que pode estar relacionado a caso grave de intoxicação alimentar”. De acordo com informações contidas em nota, o material recolhido é submetido a análise na Fundação Ezequiel Dias (Funed). “Divulgaremos assim que o resultado do exame for informado”, afirmou a prefeitura.
Por fim, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) também foi procurado. Ao órgão, foi perguntado sobre a existência ou não de autorização para uso de dimetil glicol na produção de cervejas no Brasil. O Mapa foi igualmente questionado sobre ter sido ou não notificado da suspeita de intoxicação pela substância em Juiz de Fora, e se foi determinada a retirada de lotes produzidos pela cervejaria do mercado mineiro.
Às 15h41, o Mapa informou que a fábrica responsável pela cervejaria foi submetida a fiscalização no ano passado, e não foi detectada presença de glicóis. “Documentos e informações do sistema produtivo mostram que a empresa não utiliza nenhum glicol, nem mesmo os aprovados para uso alimentar, como líquidos refrigerantes. Eles utilizam amônia para resfriamento”, declarou o ministério. O Mapa afirmou aguardar o resultado das análises feitas pela Vigilância Sanitária. Sobre a substância encontrada no organismo de Antônio Paulo dos Santos, o Mapa informou: “em relação ao produto referido como dimetil glicol, não há conhecimento do uso desta substância no processo de fabricação de cerveja”.
Cronologia da internação
As informações a seguir com detalhes sobre a internação de Antônio Paulo dos Santos estão contidas na ocorrência registrada pela Polícia Militar (PM) a pedido da direção do Hospital Albert Sabin.
9 de maio, domingo: na madrugada do Dia das Mães, o militar foi atendido na emergência médica da unidade de saúde com quadro característico de intoxicação alimentar. Medicado, foi liberado às 6h da manhã.
13 de maio, quinta-feira: Antônio retorna à emergência do Hospital Albert Sabin. Ele recebe diagnóstico de insuficiência renal – com quadro de vômito e impossibilidade de urinar. Foi diretamente levado para um leito no CTI e submetido a hemodiálise.
14 de maio, sexta-feira: no CTI, militar é intubado;
15 de maio, sábado: equipe médica solicita uma biópsia renal;
19 de maio, quarta-feira: resultado da biópsia indica intoxicação por dimetil glicol;
20 de maio, quinta-feira: família é informada sobre a gravidade do quadro de saúde do paciente e a respeita da conclusão da biópsia; Vigilância Sanitária é informada pelo hospital sobre a ocorrência;
27 de maio, quinta-feira: sem apresentar funções cerebrais, Antônio morre naquela noite após 14 dias de internação.
Cronologia narrada pela família
Após contato com o hospital, a Polícia Militar (PM) procurou a mulher de Antônio. Ela narrou os seguintes fatos à corporação:
7 de maio, sexta-feira: o marido disse a ela que almoçou dois pratos de feijoada na tarde de sexta-feira em um restaurante. Como de costume, antes de retornar para casa, ele foi até um supermercado e comprou ingredientes para preparar petiscos que degustariam juntos; ele também adquiriu quatro latas de cerveja da marca “Brussels”, cada um com 473 ml da bebida. Naquela noite, Antônio bebeu dois latões. A mulher dele também disse que seu marido tinha hábito de beber no período da tarde; entretanto, ela não sabe se ele ingeriu bebida alcoólica antes dos dois latões;
8 de maio, sábado: Antônio começa a se queixar de incômodos, e disse à mulher que estava se sentindo empanzinado pela feijoada do dia anterior;
9 de maio, domingo: às 2h da madrugada, o militar piorou e foi com a mulher para a emergência do Hospital Albert Sabin. Ele foi liberado às 6h, e medicado.
10, 11 e 12 de maio, segunda a quarta-feira: nos dias seguintes à ida à unidade de saúde, ele continuou incomodado com dores abdominais; segundo a mulher, Antônio comia pouco e conseguia ingerir apenas sopas e água.
13 de maio, quinta-feira: militar acorda com a “boca torta” e se contorcendo de dor; ela retorna com o marido para o hospital, e ele é internado.
20 de maio, quinta-feira: após a conclusão da biópsia, a mulher de Antônio é informada sobre diagnóstico de envenenamento por dimetil glicol. Àquele dia, a Vigilância sanitária recolheu as latas da cerveja.
Relembre: mortes por intoxicação provocada por cerveja da Backer
A morte do militar com intoxicação por substância identificada como dimetil glicol – segundo o que foi relatado na ocorrência – ocorre cerca de um ano e cinco meses depois do aparecimento dos primeiros casos de intoxicação por dietilenoglicol encontrado em garrafas da Belorizontina, cerveja produzida pela Backer.
Não há quaisquer confirmações de que o envenenamento de Antônio Paulo dos Santos seja fruto da ingestão dos dois latões da bebida alcoólica produzida pela Brussels, de acordo com os órgãos de investigação. Entretanto, a ligação entre os casos foi principalmente discutida nas redes sociais pela lembrança dos mortos por intoxicação pela cerveja da Backer. Relembre:
As investigações sobre a hipótese de contaminação de um grupo de moradores de Belo Horizonte começaram em janeiro do ano passado com o aparecimento de pacientes internados com um quadro descrito como “doença misteriosa” – mais tarde nomeado “síndrome nefroneural” pelas complicações de saúde apresentadas por esses pacientes, como insuficiência renal e distúrbios neurológicos.
O procedimento da Polícia Civil identificou à época um elemento comum a essas pessoas: a ingestão da cerveja Belorizontina, produzida pela Backer. Um ano depois da abertura do inquérito, a corporação indicou que um furo em um dos tanques de resfriamento da cerveja na fábrica do bairro Olhos D’Água, à região Oeste de Belo Horizonte, levou à contaminação da bebida pelo dietilenoglicol – substância altamente tóxica para o organismo.
Vinte e nove pessoas foram identificadas como vítimas da intoxicação, e 11 delas não resistiram e morreram. Dez pessoas foram indiciadas por homicídio culposo, lesão corporal culposa e adulteração de bebidas. Processos movidos pelas vítimas e por suas famílias correm no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
*otempo
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