Maria Bertane dos Santos chegou a se apresentar para o plantão do dia 27 de junho no Hospital São Sebastião, em Tarumirim, na região do Rio Doce. A enfermeira tinha 48 anos e não sofria de doenças crônicas. Mesmo assim, foi internada naquela mesma data, com sintomas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e morreu dois dias depois, vítima da Covid-19.
Este é o caso mais recente de uma realidade ainda desconhecida em Minas Gerais, um dos nove Estados que não divulgam dados sobre os efeitos da pandemia entre os trabalhadores da saúde. Um levantamento inédito realizado pelo Coronavirus-MG.com.br, porém, revela que mais de 5.700 trabalhadores mineiros do setor já testaram positivo para a nova doença e pelo menos 14 morreram em decorrência dela. Os números são do Sistema Único de Saúde (SUS).
As informações disponíveis não permitem calcular quantos desses contagiados atuam diretamente na linha de frente do combate à Covid-19. Considerando apenas os profissionais em idade economicamente ativa e com evolução monitorada dos sintomas, é possível estimar que o Estado chega ao auge previsto da pandemia desfalcado de pelo menos 344 profissionais, sendo dez vítimas e 334 afastados para tratamento.
Enfermeiros, médicos e agentes comunitários aparecem entre as categorias mais afetadas. Mas a lista é variada e inclui recepcionistas, cuidadores, motoristas de ambulância e técnicos de laboratório, entre outras .
O levantamento é limitado pela indisponibilidade de dados consolidados. O Conselho Regional de Enfermagem, por exemplo, já identificou oito vítimas do coronavírus entre enfermeiros, técnicos e auxiliares em Minas Gerais. Apenas três deles, no entanto, aparecem nos registros do SUS.
Dados indicam falhas nas fichas e nos testes
O levantamento se baseou nos dois sistemas de notificação geridos pelo Ministério da Saúde, por meio dos quais são informados os casos de síndrome gripal suspeitos de Covid-19 (e-SUS) e as internações provocadas por síndrome respiratória aguda grave (Sivep). Em comum, eles apresentam um grande volume de informações incompletas e desatualizadas.
Para se ter uma ideia, o campo opcional de ocupação só foi preenchido em 1,8% das fichas mineiras registradas no Sivep. No e-SUS, apesar de obrigatória, a informação foi ignorada em 7% das notificações. Mas os problemas não param por aí.
Os profissionais da saúde integram o grupo prioritário para a realização de testes, mas apenas 60,5% dos casos suspeitos notificados no e-SUS já tiveram os exames concluídos em Minas Gerais. Quase 14 mil testes estão na fila, 433 nem sequer foram solicitados e mais de 8.000 não tiveram o status informado.
Além disso, não há atualizações sobre o estado de saúde de 60% dos profissionais contaminados em Minas Gerais. A evolução do quadro foi esquecida em 3.412 dos 5.698 casos de síndrome gripal positivos para o coronavírus registrados no sistema (sete morreram, 334 estão em tratamento e 1.945 já se recuperaram).
Consultado pelo Coronavirus-MG.com.br, o Ministério da Saúde informou que a coleta e a revisão dos dados são de responsabilidade das prefeituras e da secretaria estadual.
“O que pode explicar essa diferença é o aumento das notificações em geral, o que traria uma sobrecarga às pessoas que preenchem esses sistemas, fazendo com que elas insiram menos informações em campos não obrigatórios. Contudo, seria necessária uma análise mais aprofundada para conseguir constatar ou descartar essa hipótese”, alegou a SES em nota.
Cobrança por transparência
Entidades de classe têm cobrado mais transparência do governo. Apesar de não divulgar sistematicamente as informações, a SES dispõe dos dados tratados, como revela um relatório enviado em 15 de junho ao Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG).
“Conseguimos esse balanço uma única vez. Depois dessa data, a secretaria não voltou a publicar nenhum outro número atualizado, apesar das nossas solicitações”, conta Alex Ribas, diretor da entidade sindical. Na época, segundo o relatório, havia 21.720 casos suspeitos entre profissionais da saúde no Estado e 296 casos confirmados de médicos contaminados.
“Os dados poderiam ser muito úteis, tanto para o próprio governo quanto para as entidades que trabalham na defesa dos profissionais. Os órgãos, de posse desses dados, podem mapear falhas no processo e intervir precocemente, inclusive para evitar que os profissionais entrem na cadeia de transmissão. As entidades podem atuar de maneira mais efetiva e, inclusive, ser parceiras da gestão na proposição de soluções”, avalia o representante da categoria.
Ribas destaca que, além do risco de contágio, a pandemia tem provocado um estresse adicional nos profissionais. Segundo ele, o sindicato já recebeu relatos de escassez de equipamentos de proteção individual e medicamentos fundamentais, entre outros problemas. “Muitos trabalhadores estão dando mais plantões que o habitual, passando horas sem alimentação adequada e sem condições de satisfazerem suas neccessidades fisiológicas”, relata.
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