Após um ano de isolamento social, lives e mais lives para encurtar distâncias e muita saudade acumulada de familiares e amigos, o Natal se torna ainda mais aguardado: é quando as pessoas costumam se encontrar, comemorar a vida e trocar abraços e lembranças. Mas, assim como o restante do ano, o dia 25 de dezembro também deve ser diferente em 2020. Segundo médicos infectologistas, apesar da queda no número de casos e mortes por Covid-19 no Brasil, este ainda não é o momento de relaxar e promover aglomerações, mesmo que em família. O afrouxamento dos cuidados pode levar a um novo aumento de infecções.
“As reuniões familiares entre pessoas que não moram juntas são tidas como exemplos de alto risco de disseminação da doença, estatisticamente muito relacionadas a um alto grau de contaminação. Sabemos que está todo mundo carente de contato, cansado das medidas restritivas, mas a gravidade da doença ainda acontece, os fatores de riscos continuam, então temos que continuar atentos e tomando as medidas de precaução”, afirma o infectologista e diretor científico do Hospital Felício Rocho, Adelino Freire Júnior.
O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, diz que a distração e o relaxamento dos cuidados são um convite para o vírus. “Essas festas são os momentos que o vírus mais adora. São aglomerações por horas, às vezes com bebida alcoólica, em que as pessoas perdem a noção e relaxam completamente. Talvez sejam as situações mais propícias para várias pessoas pegarem e, infelizmente, algumas terem quadros muito graves. Um infectado pode contaminar a família e os amigos todos”, pontua.
“O momento de fazer reuniões será quando houver vacina. Sem ela, tudo continua a mesma coisa. Caso contrário, vamos perder o jogo nos acréscimos”, completa.
O médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Geraldo Cunha Cury, reforça que a única solução definitiva é a vacina. Mas o processo será longo até que todos estejam imunizados. “As primeiras pessoas vacinadas serão os idosos, as que possuem alguma doença que justifique e os profissionais da saúde. Vacina para todo mundo, só vamos ter lá para maio ou junho do ano que vem, se as vacinas que estão em testes na fase 3 forem bem sucedidas”, diz. “Temos que ter três coisas: paciência, paciência e paciência”, conclui.
A pedagoga Ana Carolina Silva, 39, o marido e os três filhos vivem em Belo Horizonte e costumavam viajar todos os anos para passar o Natal com os familiares: alguns vivem no Sul de Minas, e outros, no Ceará. “Neste ano, como estamos ainda seguindo as recomendações da OMS, seremos só nós cinco mesmo. Tem sido difícil, a saudade é grande, mas não temos coragem de viajar para vê-los”, conta Ana.
A contadora de histórias Aline Cântia, 39, viu os pais pela última vez no Natal do ano passado. Eles moram em Viçosa, na Zona da Mata, e ela, na capital, com o marido. Os sogros também vivem longe, em Cabo Frio (RJ). Neste ano, o dia 25 de dezembro vai ser diferente: cada um vai passar a data na própria casa, mas todos vão permanecer conectados com a ajuda da tecnologia.
“Acredito que faremos um cardápio especial e compartilharemos com nossos pais e irmãos, para que possamos partilhar da mesma mesa, ainda que à distância, com uma live na hora do jantar. A gente sente saudade, mas acho que neste momento ainda é importante ter este cuidado”, afirma Aline.
Momento deve ser de reflexão, diz especialista
A época de final de ano pode contribuir para acentuar os impactos que a pandemia vem causado para a saúde mental: o isolamento, a insegurança em relação a emprego e renda e o medo do adoecimento e da morte. “As datas comemorativas, que têm como base exatamente o contato, o afeto e a família, e também as questões financeiras e as perspectivas futuras que chegam com a virada do ano, tudo isso são pontos de estímulo para aquilo que está fragilizado”, afirma o psiquiatra e mestre em saúde coletiva, Rodrigo Mendes D’Angelis.
Segundo ele, apesar de todas as dificuldades, o momento pode ser oportuno para refletir sobre o real significado das festas de fim de ano e valorizar o que realmente importa. “A necessidade de nos reinventarmos em função da pandemia nos leva a pensar a real importância dessas festas: o convívio, a família, a interação. Pode nos levar a um ponto positivo de reflexão: por que o convívio é tão importante, quais as pessoas que são importantes, o que eu tenho feito por elas e como posso construir minha vida de maneira melhor”, pontua.
Para a psicóloga e doutoranda em psicologia, Daiana Fidelis, as tecnologias podem ser aliadas para reduzir as distâncias neste Natal. “É de suma importância perceber que o afastamento social não é o mesmo que o isolamento emocional. Por que não nos reinventarmos no Natal? Claro que será diferente do contato presencial, mas podemos usar as ferramentas que temos ao nosso favor”, diz.
*O Tempo
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