Quaresma: caminho de crescimento

Proponho-me a dizer três palavras sobre a quaresma, este rico tempo na liturgia da Igreja. A primeira é esta: quaresma é tempo de tomar consciência de nossa fragilidade humana. “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris”. Jó 10,9 Assim inicia o grande orador sacro Pe. Antônio Vieira, o seu sermão da quarta feira de cinzas, assim também, com estas palavras, a Igreja convidava o povo a percorrer o caminho quaresmal. A princípio, esta expressão pode parecer um pouco dramática e forte, porém, quero crer que a Igreja, como perita em humanidade, nada mais desejava do que salientar nossa frágil condição humana e nossa transitoriedade. Talvez esta metáfora do “pó” ainda seja útil e atual. É sempre oportuno recordar àqueles que vivem como se fossem eternos, sustentados por um sentimento de onipotência e autossuficiência na  sua condição de fragilidade e transitoriedade. Aliás, a palavra humildade, que vem do substantivo latino húmus e quer dizer exatamente isto: somos filhos da terra, do barro quebradiço moldado pelas mãos do criador. Enfim, somos limitados! Não que a Igreja esteja omitindo que o ser humano é capaz do bem, do melhor, do mais elevado, mas, pedagogicamente e para nos introduzir no espírito quaresmal ela nos recorda esta verdade: somos frágeis e não podemos viver como se fôssemos onipotentes! Eis o primeiro e indispensável passo nesse caminho penitencial. Esta é a primeira palavra sobre a quaresma: quem se julga pronto e acabado não abre espaço em si para a graça de Deus agir. Nós somos inacabados, um ser em constante construção.

O tempo quaresmal é tempo de conversão, ou seja, tempo de mudança profunda de mentalidade e atitudes. Para sairmos crescidos da quaresma e atingirmos a estatura do Cristo Ressurrecto, convém nos converter a um estilo de vida mais simples, austero e frugal, no cuidado com a natureza e o ser humano. Esta é a segunda palavra sobre a quaresma: quero convidá-lo a percorrer o caminho quaresmal como tempo de reeducação dos sentidos, sobretudo da visão. O olfato, o tato, o paladar, a audição e a visão, nossos cinco sentidos devem ser reeducados, a fim de termos uma relação mais harmoniosa com a natureza e com os seres humanos. Entretanto, quero concentrar minha reflexão sobre a visão. Educar nossa visão, fazer uma revisão, ou seja, passar a perceber coisas e realidades que não vemos no cotidiano, sinais da gratuidade de Deus. Passar a ver, sob outro prisma situações e realidades do dia a dia. O desafio é: ver a vida, os acontecimentos, as pessoas com outros olhos, com os olhos da graça, com os olhos de Deus. No tempo quaresmal, à luz da Campanha da Fraternidade 2007 a Igreja nos propõe um novo olhar sobre a Amazônia e os povos que a habitam. Procuremos considerar seus valores, a cultura desses povos e acolher as riquezas que nos oferecem. Primeiramente, os povos nativos da floresta, os indígenas, que veem a natureza como espaço sagrado, teofania do criador. Nós, ao contrário, tratamos a natureza como fonte de lucro e riqueza. Deles, dos povos nativos da Amazônia, podemos apreender também um novo conceito de propriedade. A ideia de propriedade exclusiva é inexistente nessas culturas. Para eles, o pronome possessivo, meu, seu, teu não tem sentido, a propriedade é de uso coletivo e não exclusivo. No que concerne às relações também podemos aprender. A natureza não é algo a ser dominado, mas respeitado. Basta considerar que esses povos que há muito habitam a Amazônia não tiveram e não tem uma relação predatória com a floresta. Sobrevivem da floresta, sem, contudo destruí-la. São povos que cultivam um outro modus vivendi. Voltemos nossos olhares para esses povos, não para idealizá-los como se fossem povos perfeitos, mas para acolher a diferença, os valores que cultivam e que podem enriquecer a nossa sociedade. Temos assim o segundo indicativo para nosso caminho penitencial: reeducar nossa visão, enxergar as coisas com outros olhos livrando-nos de preconceitos, clichês, estereótipos.

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Por fim, tomo para reflexão a metáfora do deserto. Para o imaginário do povo do oriente o deserto é vital, é uma escola. O povo de Deus, por assim dizer foi gestado no deserto. Foi também no deserto que Jesus se preparou para sua vida pública. O deserto, simbolicamente é lugar da privação e da solidão.  É na solidão amiga que nos encontraremos com nosso “eu profundo”, com nossos fantasmas, nossos demônios. O deserto, por assim dizer, é o lugar privilegiado do encontro com Deus e consigo. Para criarmos ambiente de deserto precisamos de silêncio, recolhimento, vida de oração. Esta é terceira palavra sobre a quaresma: quaresma é tempo de deserto. Justamente no deserto Jesus foi vítima do diabo que quis dividi-lo, a palavra grega diábolos quer dizer precisamente “aquele que divide”. O diabo quis dividir Jesus interiormente, quis perverter seu projeto, dissuadi-lo de seus projetos, mas Jesus venceu a tentação e se manteve íntegro. Quantos diábolos também querem nos dividir e confundir interiormente no deserto de nossa vida. Em repartições públicas, quantos diábolos querem dividir pessoas que procuram se manter íntegras, ou seja, inteiras em seus propósitos de honestidade e retidão de caráter. No trabalho, na família, enfim, no deserto de nossa vida somos tentados a trair nossos valores, ideais, causas, mas é preciso resistir, pois o deserto é mesmo o lugar da prova. Não tenhamos medo de ir ao deserto, de lá seguramente sairemos mais crescidos espiritual e humanamente falando.

Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros

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