Afinal, o que é paz???

As cenas de violência que assistimos nos últimos dias motivaram-me a escrever sobre o tema da paz. Refiro-me, primeiramente, à violência no oriente médio que faz inúmeras vítimas e, também aquela que vem ocorrendo em nosso país, quando o “crime organizado” afronta o poder público e ameaça a segurança dos cidadãos de bem que pagam seus impostos.

Querido leitor, começo desejando-lhe a paz! Shalom alecham ou a “paz esteja contigo”! É este o cumprimento bíblico que exprime desejo de paz, é assim que Jesus saudava os seus amigos e contemporâneos. O desejo de paz, diga-se de passagem, está radicado no coração de cada ser humano, as vezes recalcado e esquecido. Precisamos despertar esse desejo! Neste artigo, vamos nos debruçar sobre este conceito: Paz. Olhando superficialmente pode parecer um conceito simples, mas não é! É preciso definir bem o que é paz. Paz é um conceito complexo e polissêmico, ou seja, um conceito que possui significados diversos. Me deterei em discorrer sobre dois modos de se compreender paz: a noção de PAX ROMANA e o conceito bíblico de SHALOM. A meu juízo, o primeiro é um conceito ideológico, falacioso, falso, enquanto o segundo acredito exprimir o sentido verdadeiro de paz.

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O que foi a PAX ROMANA? A PAX ROMANA, expressão latina para “a paz romana”, é o longo período de relativa paz, gerada pelas armas e pelo autoritarismo, experimentado pelo Império Romano. Iniciou-se quando Augusto César, em 29 a.C., declarou o fim das guerras civis e durou até o ano da morte de Marco Aurélio, em 180 d.C.. Como se vê a experiência de paz feita nesse período foi alcançada pela força das armas, ademais, é sabido que a situação era de paz aparente e relativa. Seguramente, não é este o verdadeiro significado de paz. Vale lembrar, que os súditos do império romano eram mantidos numa posição de submissão e silêncio por meio da política do panem et circenses, ou seja, a política do pão e circo para o povo. Os césares mantinham o povo vivo, com o mínimo necessário e entretido com o lazer dos circos e das arenas que anestesiava sua consciência. Vemos que a história é cíclica, a política do pão e circo ainda continua na pauta do dia de muitos governantes. Dar cestas básicas e entreter o povo com futebol e outras atrações, eis aí a antiga e sempre atual política do pão e circo. As práticas autoritárias, utilizadas pelo Império Romano também não são tão raras hoje. Atualmente, por exemplo, algumas nações, herdeiras de uma megalomania imperialista acreditam poder pacificar países pelo uso da força bruta. O que ocorre, no entanto é que por detrás de tais iniciativas nefastas escondem-se intenções espúrias, escondem-se interesses econômicos e militares.

À luz deste conceito de paz, a meu ver, deturpado, pergunto: A paz que queremos seria algo parecido com a PAX ROMANA? Seria a paz, tão desejada por nós, uma mera ausência de guerras e conflitos declarados? Seria uma paz aparente, conquistada pela violência? Se assim cremos podemos dizer que estamos num país pacífico, afinal em nosso país, na atual conjuntura, não temos nenhuma “guerra declarada”.

Creio que a paz não é só ausência de guerras! É mais que isso. Quero lançar mão de um conceito bíblico mwlv – Shalom-, paz em hebraico, para me fazer entender. Já vaticinava o profeta Isaías. “O fruto da justiça será a paz” Is. 32, 17 Acompanhem comigo o silogismo, o raciocínio lógico: “se a paz é fruto da justiça, logo não haverá paz autêntica e duradoura, enquanto a justiça não prevalecer”. Ora, vivemos num país ainda injusto, por isso, enquanto não houver justiça não viveremos em paz. Mas, afinal, o que é mesmo a paz? Em hebraico se diz Shalom! Shalom não é um conceito abstrato, subjetivo ou romântico, aliás a abstração é um traço da cultura grega, não da judaica. Podemos dizer que paz no sentido bíblico é: mesa farta, terra fértil, muitos filhos ao redor da mesa, segurança nas fronteiras, chuvas abundantes, mulheres férteis, longevidade, grandes colheitas, festa, tudo isso, e muito mais é Shalom . Nesta perspectiva, fica claro que em nosso país a paz é ainda um sonho distante. Porém, continuaremos sonhando, pois o cristão é um visionário, que sonha acordado com aquela paz trazida pelo Messias, uma paz duradoura e autêntica.

Vou encerrando nossa conversa com uma provocação: o que eu e você podemos fazer, concretamente, pela causa da paz? O que é que está ao meu e ao seu alcance fazer? Julgo ser necessária, para se obter a paz, uma revolução cultural, uma mudança radical de mentalidade. Proponho ainda, três atitudes concretas, aos homens e mulheres de boa vontade.

A primeira é acreditar na paz como um valor, não naquela paz forjada pela opressão, mas na paz verdadeira que se traduz na luta pela dignidade de cada ser humano. A paz que se realiza na conquista dos direitos fundamentais da pessoa. Ser promotor da paz é acreditar na sacralidade da pessoa humana e que a paz só será sólida quando a pessoa toda e toda pessoa tiver qualidade de vida. Comece ensinando isso às crianças, que a paz é um valor, que a injustiça, a má distribuição de renda não são vontade de Deus e sim uma mazelas do egoísmo humano. Engaje-se em alguma pastoral, entidade ou grupo que esteja empenhado na luta pela promoção e defesa da vida.

A segunda atitude que está ao nosso alcance é o exercício da tolerância, do respeito ao diferente. Neste mundo cada vez mais plural, o respeito às diferenças é uma das chaves para a construção da paz. Diferenças de credo, de cultura, raciais, enfim, todas as diferenças devem ser respeitadas e precisamos aprender a colher o que cada um tem de divino. Precisamos nos convencer de que aquele ou aquela que pensa diferente de mim não é para mim uma ameaça, mas antes, deve ser visto como alguém capaz de me enriquecer.

Por fim, um convite para todos, em especial para os jovens, renunciar a uma mentalidade machista que favorece a violência. Estamos inseridos em uma cultura machista e os homens são cobrados a provar sua masculinidade por meio da força. Assim, há sempre no ar um receio de se parecer fraco. È imperativo se mostrar forte! Precisamos desmontar essa ideologia na cabeça de nossos jovens. Os meninos ouvem desde cedo “homem não leva desaforo para a casa” e quando crescem, muitos se sentem obrigados a provar que não são fracos. Não é a toa que os agressores, em nossa sociedade, em sua maioria são homens e jovens. Esta é uma ideologia que precisa ser vencida. Disse Jesus “Bem-aventurados os que promovem a Paz” sejamos todos construtores da paz, não do apaziguamento aparente, mas daquela paz fruto da justiça. Participemos todos deste mutirão para a construção de uma sociedade pacífica por meio uma revolução cultural. Esta revolução cultural à qual me refiro passa, necessariamente pela mudança de conceitos, de visões distorcidas incutidas em nós. Shalom alecham, Salam, Savidi, Eirene, pace, peace, pax, paz….

Att: Padre Dirceu de Oliveira Medeiros

 

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